TEXTOS DO AUTOR

A MÁQUINA DE INCENTIVO À LEITURA

A incrível máquina de livros e os benéficos efeitos colaterais.

Ando tentando levar meus livros a quem não tem. Se não vou lê-los mais, nada melhor que servir a alguém — embora alguns livros você tenha de guardar, e ler de novo e de novo. Em tempos de desapego, doar livros serve para aferir valores e refletir sobre a queda, pelo menos no Brasil, das vendas de livros (menos leitores quer dizer menos livros). Isso impacta editoras, gráficas, bancas de jornais e revistas (estas, para sobreviver, hoje vendem sorvete, salgadinho, refri).

Em outubro de 2016, a Market Research World publicou o chamado Índice de Cultura Mundial, "ranking sobre diferentes hábitos culturais de diversos países, entre eles a leitura". O resultado está publicado no site da Biblioteca Parque Villa-Lobos e revela:

O país que mais lê no mundo é a Índia, que ocupa essa distinção desde 2005. Os indianos dedicam, em média, 10 horas e 42 minutos semanais para ler. Os seguintes três postos também são ocupados por países da Ásia: Tailândia, China e Filipinas. Já o quinto é, notavelmente, o Egito. Depois vem a República Tcheca, seguida da Rússia e da Suécia, que se encontra empatada com a França. Depois vem a Hungria, empatada com a Arábia Saudita. Quanto à América Latina, o país mais leitor é a Venezuela, no 14º lugar. Depois vem Argentina (18º), México (25º) e Brasil (27º) com médias de leitura que rondam menos da metade de tempo que dedicam na Índia.

Se o Brasil está em último lugar na América Latina, não sei. Pode-se depreender, porém, que com o avanço das redes sociais, as pessoas que já não tinham o hábito da leitura, agora mais ainda não têm grande incentivo para se iniciar na saudável prática de ler. A ordem é — mensagem rápida, com pouco critério e reflexão, claro. Ponderam que se livros não se mexem nem interagem com a gente, e são cheios de textos, melhor não lê-los. E quanto aos pais, eles reforçam essa tendência. Já repararam que vivem com o aparelho celular na mão? Nunca um livro. E estranham que as crianças queiram exatamente a mesma coisa. Ignoram que o exemplo arrasta...

Já ouviram falar do projeto "A Incrível Máquina de Livros"? Pudemos vê-lo de perto em junho de 2018 aqui em Brasília. É uma van, toda paramentada com luzinhas, tubos, roldanas e sons, para imprimir um caráter mágico à empreitada. O leitor coloca um livro em bom estado, sem dedicatória, sem nada escrito. E em meio à parafernália criativa, recebe um livro adulto ou infantil, conforme o botão que apertar. Tudo com sugestivos sons.

A ideia surgiu em 2012, com o fito de incentivar a leitura pelo país afora. Segundo Fauzi Gibran, o idealizador do projeto, "a intenção era promover a leitura de forma criativa. De lá para cá, a incrível máquina conseguiu patrocínio da Lei Rouanet e saiu do papel. Em seu primeiro ano, a proposta passa por 21 cidades em 13 estados do país e termina o tour na Bienal do Livro de São Paulo em agosto." De Brasília, a van está seguindo para Ribeirão Preto.

Selecionei nove livros e lá fui, com ênfase para angariar novos livros infantis. Achei que ir de carro não combinava com a aventura. E nas duas vezes em que fui para a fila da troca mágica, fui de ônibus. Estar em fila e em ônibus é excelente terapia. Me apertei no ônibus lotado, tomei sol na fila, conversei com as pessoas e suas crianças, me conectei com um montão de gente, assisti às pombas se encherem de pipoca salgada (hipertensão ataca pombas?). Houve gente que nem foi de ônibus, como eu, mas de bicicleta. Livros que a incrível máquina ejetou e não me agradaram, troquei com as pessoas da fila.Todos esses são efeitos colaterais benéficos do empreendimento, dentre os citados mais acima.

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As crianças eram as mais entusiasmadas. Os adultos, geralmente, não demonstram tanto. Adulto é mais enrustido.

A máquina se foi. Promoveu perceptível interação. Os trocadores também se foram. A maioria das crianças se foi, contentes com a maravilhosa engenhoca e com livros novos nas mãos. Muitos pais, diligentes, esperam ler mais com as trocas, disseram. Outros, sem zelo, não viam a hora de pegar no celular — as mensagens de zap vão se acumulando e geram ansiedade; não se pode passar sem elas. E os livros! Os livros? Bem, muitos vão é pra gaveta mesmo.

Aristides Coelho Neto, 23 jun. 2018

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