TEXTOS DO AUTOR

NEM ÉRIGA NEM FRANCISGO

Foi aí que se matou a charada. Alguém tem dúvida de que era ela?

Eu já havia estranhado o pequeno cartaz, feito com caneta hidrocor. Na parede, no lado da cabeceira da cama, o nome da paciente, minha mãe, e do médico: Dr. Bilague. Bilague com “g” e “u”? Ao que me responderam: não! Bilaque! Com “q”. Mas Bilaque com “q”? Isso mesmo? É que eu me lembrava de Olavo Bilac. Assim com “c” é que me soava melhor. Bem, ficou claro que alguém escreveu Bilague com “g”.  Me lembrei dos sintomas de dislexia, problema de trocas de letras no qual nunca me aprofundei.

Infelizmente esse mesmo nome com “g” foi para o cartório. O elemento errado fornecido foi impeditivo para a emissão da certidão que precisávamos. E nos informaram então que deveríamos acionar o hospital para corrigir o nome do médico.

DislexiaEmitir certidão é ato que parece cercado de muitos cuidados.  Hoje, claro.  Porque ontem, vocês já ouviram falar de muitos nomes que os cartórios deixavam passar nas certidões de nascimento, possivelmente por falta de parâmetros, por falta de instrução. Quanto mais pro interior, pior. Podia se ver Teicheira, Coelio, Claldia, Juão, Terreza, Amelha, Siuvio... Bem, há nomes engraçadíssimos que são bem recentes, mais por falta de senso crítico: Valdisnei, Railander, Darzã, João Lenão, Delícia Cremosa, Inri, Istiveonder da Silva, Um Dois Três de Oliveira Quatro, Urinoldo Alequissandro, Leidi Dai, Kung Fu José, Myqueimausi, Aga Esterna, Maria Onete...

Bom saber que os cartórios estão mais exigentes.

De volta ao hospital indaguei sobre quem era o responsável pelas informações que seguiam para o cartório. A moça perguntou por quê. E expliquei.

Foi então que ela me tranquilizou. Ela não era a responsável por essa função. Mas o erro seria corrigido no máximo em uma hora. Eu poderia voltar ou esperar, que ela se encarregaria pessoalmente de acompanhar a feitura do novo documento por quem de direito.

Só por curiosidade, perguntei quem faria a correção. E ela me respondeu: a Ériga ou o Francisgo. E eu instintivamente repeti o último nome: Francisgo??? Não consegui deixar de arregalar o olho.

Ao que ela complementou, sem imaginar que eu havia naquele instante matado uma charada:

— O Francisgo é mais conhecido mesmo como Chigo.

Aristides Coelho Neto, 10.12.2010

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[...] A maior dificuldade que quem tem dislexia é de reconhecer as palavras sem confundi-las com outras, que normalmente têm fonemas parecidos. A dislexia é uma espécie de desordem fonológica.

Uma criança disléxica geralmente vai mal na escola, em função de sua dificuldade na aprendizagem da decodificação das palavras. Pessoas disléxicas se perdem na associação do som à letra, trocando letras, “b” com “d”, com “p”, “q” com “g” etc. Às vezes escrevem palavras na ordem inversa — "ovóv" em vez de vovó. Contudo, dislexia é um problema visual, envolvendo o processamento da escrita no cérebro. O disléxico pode confundir até a direita com a esquerda, no sentido espacial. Mas esses sintomas podem coexistir ou mesmo confundir-se com características de vários outros fatores de dificuldade de aprendizagem. [...]

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