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Um vinho para Pandora

Vale a pena abrir um vinho quanto às perspectivas que se abrem com a Operação Caixa de Pandora?

Recentemente, li um artigo de um conhecedor de vinhos, Sérgio Inglez de Souza, em que  exalta as qualidades dessa bebida milenar. No texto é mencionada a nossa memória olfativa, que funciona como “um grande arquivo de sensações experimentadas ao longo da vida”. Na opinião de Inglez, o vinho, prazeroso, traz, além de outros benefícios, o deleite contido em nossa memória. Finaliza seu artigo com um chamamento: “Bebamos [vinho], pois, em memória das boas recordações”.

Renato Machado, da CBN, tem se dedicado a enfrentar desafios impostos pelos ouvintes, no sentido de direcionar o vinho certo para cada ocasião. Assim, quem consulta as entrevistas em áudio com Renato fica sabendo qual vinho usar na comemoração pela aprovação no vestibular, qual vinho acompanha o fondue, a rabada, o crepe, e assim por diante.

Um vinho para Pandora?As recentes revelações trazidas pela Operação Caixa de Pandora e seus desdobramentos nos deixam em dúvida, porém, quanto a comemorar ou não comemorar as mudanças “da água pro vinho” que ocorrem na política de Brasília. O cidadão brasiliense (e brasileiro) sairá vitorioso nessa empreitada contra os maus políticos, a ponto de comemorar com um bom vinho? Aliás,  que vinho se toma quando fica claro na imprensa que Arruda preso provoca uma reação da Câmara Legislativa? Arruda solto, outra reação em direção contrária? Acho que nenhum. E a gente só consegue pensar em vinagre em vez de vinho.

Reportagem de 14.3.2010, do Estadão (Nacional, A4) traz uma triste constatação. Em sete anos, investigações da Polícia Federal detectam 30 mil casos de corrupção. Nesse cerco à corrupção incluem-se os crimes de peculato, prevaricação, corrupção passiva, fraudes em licitações, corrupção ativa, concussão, emprego irregular de verbas públicas, tráfico de influência. Aqueles casos não detectados alcançariam a cifra de 200 mil? Menos? Muito mais que isso? Ninguém sabe.

O que se sabe mesmo é que vez em quando nos dá uma vontade imensa de comemorar, quase convictos de que tudo vai mudar no cenário brasiliense (e brasileiro). Em outras vezes, somos acometidos de uma tristeza profunda, ao analisarmos que Brasília é apenas um pedacinho de Brasil. Mas um retrato fiel de tudo que ocorre em todo o território nacional.

Ouve-se falar de políticos que renunciam. E ficamos em dúvida se vale a pena comemorar, já que eles querem voltar. Sem dúvida, cá com meus botões, eu tomaria um bom vinho — ainda não sei qual — se Eurides, Brunellis, Prudentes, Durvais, e tantos outros, se contentassem com o que já obtiveram de vantagens. E não mais voltassem. Afinal, minha memória olfativa registra não só as sensações boas ao longo da existência, mas tudo aquilo que não me cheira bem.

Quanto a Durval e Arruda, bom seria que dissessem tudo o que sabem, como contributo à sociedade candanga, que viveria momentos singulares, com muito o que comemorar. Com vinho, com fogos, seja lá com o que for.

Aristides Coelho Neto, 14.3.2010

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