TEXTOS DO AUTOR

A PSICOTERAPIA JÁ COMEÇOU

Um diálogo com cara de monólogo, que termina com um conselho curto e direto, mas eficaz.

Psicoterapia— Que você está fazendo agora? Nada? Então me ouça um pouquinho. Já reparou como a tecnologia anda a galope? Twitter, e-mail, celular, iPod, velocidade absurda da informação. De que adianta? Dia desses quase atropelo um cara que ouvia música e atravessou a rua sem dar a mínima. Dialeto internetês, para não perder tempo, escrever bem rápido. Mas escrever o quê? As pessoas têm acesso a uma infinidade de informações mas elas próprias estão vazias. Não têm o que dizer umas para as outras. Havia um velhinho que o único exercício que fazia era ir ao banco. Hoje ensinaram a ele pagar tudo pela internet.  Pronto. Ele agora atrofiou de vez. O geriatra dele quer pegar de pau o cara que deu a infeliz sugestão.

— Eu...

— Televisão no celular? Para ficar mais tempo diante da televisão? Encolher definitivamente a capacidade de raciocinar? Joguinhos digitais? como se estivéssemos sempre de férias? Férias, férias... Na realidade as pessoas, muitas vezes, estão desempregadas e não se dão conta. Pensam que estão de férias.

— Bem, acho que...

— Passar doze horas por dia entre joguinhos de computador, filmes um atrás do outro, msn, orkut, facebook, navegando, atrofiando músculos e mente... É fuga, não acha? Problema psíquico sério.

— É...

— Você sabe que tenho um exemplo bem pertinho de mim. Não estudar, não procurar um trabalho... Só psicoterapia resolve. Só, só. Alguém profissional que ajude a pessoa, que já caminha para os trinta e não tem perspectiva alguma.  No fundo, no fundo, a gente tem culpa. Se bobear, fazemos até o trabalho da escola do filho. Damos tevê, computador, casa, comida, roupa lavada, carro, gasolina, dinheiro. Ora, assim ninguém precisa trabalhar. Nem procurar a própria independência.  Pra que, não é mesmo? Permanecer no bem-bom é pra lá de bom.  Filé mignon é muito melhor que carne de pescoço. E é isso que influi na elasticidade da adolescência. Por isso que vemos hoje em dia adolescentes com quarenta anos. Ou mais. E morando na casa da mamãe. Nós somos os culpados.

— ...

— E todos os adolescentes dessa fase elástica hoje veem dificuldade em tudo. Desistem ao menor sinal de aperto. Falta a garra que tivemos. E como é difícil achar alguém que veja nos obstáculos um estímulo para crescer. Dá pra contar nos dedos. Mas sabe o que é pior nisso tudo? Você fazer o impossível, driblar as intempéries, para dar um empurrãozinho no filho que está empacado.  E ao final, o filho achar que o culpado de todas as suas (dele) mazelas é você! Sim! Você mesmo! que faz das tripas coração para ver se ele decola...

— Mas a...

— E digo mais. A gente quer botar pra fora tudo o que sente. Normal, escancarar sobre os valores da vida, a necessidade de ter projetos e planos para a existência.  E alguém chega e diz que a gente pode escancarar, sim. E dizer tudo que sente, sim.  Mas com carinho e amor. E eu acho que é muito fácil dar esse tipo de conselho para quem não vive a situação.  Claro, pimenta nos olhos dos outros não arde. Teorias, teorias... Dizem até que para se manter em família você tem de renunciar a muita coisa.  Mas renunciar aos meus valores, eu não quero. Porque eles são positivos. Quero dizer tudo que sinto. Se já tenho muitos quilômetros rodados, por que não ser ouvido? Não precisamos passar por tudo que as pessoas passaram para aprendermos algo.  Não precisamos mais queimar as mãos no fogo para descobrir que material em combustão é perigoso. Temos que aproveitar as experiências boas ou ruins de outras pessoas.  Imagine se para ver tevê eu tivesse que entender o que se passa dentro do aparelho de televisão... A tevê é o resultado de suor e experiência de muitos.  Eu agora só desfruto. Entende isso? de que temos de aproveitar a experiência dos outros?  Se assim não fizermos, estamos sendo burros. Entende? Se quero voar, tenho de comprar uma passagem aérea. Não é mais hora de seguir os passos de Santos Dumont...

— É...

— E mais, ninguém tem de se moldar a ninguém. Pais não têm de se moldar aos filhos. Filhos não têm de se moldar aos pais. Têm de aprender uns com os outros. Em bases de respeito. Difícil é admitir que alguém tem algo a ensinar...

— Bem...

— Há pais que incentivam os filhos a ir para o computador bem cedo. Há algum tempo, um cara de trinta e cinco anos, me vendo fazer uma casa de periquito com bambu, perguntou que ferramenta eu havia usado para fazer aquele oco na madeira com acabamento tão perfeito.  Isso mesmo, ele não sabia que o oco do bambu foi a natureza quem fez.  É isso que dá as crianças não comerem terra e nem subirem em árvores. Esse cara, que tinha trinta e cinco, cresceu com os joguinhos eletrônicos. Sabe o tal do RPG, rolling playing games? Pois é, ele e sua turma cresceram. Muitos se casaram. Continuaram se reunindo.  As esposas ficavam juntas, conversando abobrinhas, na sala, enquanto os rapazes se reuniam na cozinha para esse teatrinho do RPG. Pode? Por que você não diz nada?

— Vou dizer. Preste atenção. Comece bem o ano: você precisa de um psicoterapeuta. Urgente!


Aristides Coelho Neto, 2.1.2010 

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