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DISTRITO FEDERAL, PARAÍSO PRA FISCAL?

Brasília não tem sido um paraíso, principalmente para os fiscais integrantes da Carreira de Fiscalização de Atividades Urbanas. Eles passam por um cortado, por falta de apoio do governo.

Antes de elucidarmos a questão de ser Brasília — entenda-se aqui Distrito Federal — um paraíso do tipo éden, ou um paraíso fiscal ou um paraíso para o fiscal, passemos aos conceitos de paraíso, para não confundir o leitor. Paraíso, para os antigos persas, era um amplo parque. Segundo a Bíblia, jardim aprazível onde Deus colocou Adão e Eva, depois da sua criação. Éden, céu, lugar em que reina a felicidade, qualquer lugar agradável e prazeroso.

Já paraísos fiscais (ou offshores) são locais onde a lei facilita a aplicação de capitais estrangeiros. Nesses lugares (hoje mais de 60 espalhados pelo planeta) existem grandes facilidades para a proteção da identidade dos investidores. É o total anonimato. Ninguém quer saber da origem do dinheiro. E isso acarreta  contas "fantasmas", para onde são canalizados os recursos que podem vir de corrupção político-administrativa, tráfico de drogas, etc.

O assunto é tão pungente que até o papa Bento XVI, segundo o jornal Times, está preparando uma nova encíclica com um capítulo especial chamado "Fraude e fisco". O papa já havia classificado tal conduta de fraudar o fisco, de deixar de recolher tributos, como moralmente inaceitável. Mas existem várias definições de "paraíso fiscal" (a Receita Federal, por exemplo, tem sua própria definição). Dito isso, como utilidade pública cultural, eu, aqui nesse meu cantinho, vou divagar sobre "paraíso" também.

O Distrito Federal hoje tem incomensuráveis problemas de trânsito, segurança, saúde. Isso porque se criou a imagem, ao longo de décadas — com o incentivo de governos inescrupulosos —, de que aqui era um paraíso de doação de lotes. Enveredamos então por outra acepção de paraíso. No imaginário das pessoas, era (ou é) líquido e certo convidar os parentes para vir morar em Brasília, local onde se ganha lote. Não há emprego, mas ganha-se lote. A indústria da favelização prosperou tanto que cidades como Itapuã, Estrutural, somando 150 mil habitantes, surgiram da noite para o dia para provar que aqui era o paraíso mesmo! E mais! um paraíso de amplas possibilidades, que facultaria negociar com os lotes, mesmo antes de escriturados pelo governo paternalista. E com bem pensadas  estratégias infernoparadisíacas ganhar mais de um, vender mais de dois, invadir mais de três e assim por diante. Parcelar e vender terra que não é sua, com o uso de parentes, de laranjas, de autoridades, de politicagem...  

O inchaço inevitável do Distrito Federal provocou um desequilíbrio óbvio — falta de fiscalização à altura da dinâmica de crescimento. E falta de infraestrutura urbana. Se um paraíso para os que querem obter lote de forma fácil, um inferno para os cidadãos de bem.

Nosso governador Arruda tem insistido na tecla de que não existe invasão em seu governo. Invasões de terra começaram em outros governos, diz ele. O atual governo freou o processo, afirma, na proibição da continuidade das obras por enquanto irregulares. Mas nós sabemos que a maioria dos infratores não respeita a proibição. Não aproveitem o ensejo, senhores, para perguntar "então, por que a fiscalização não coíbe?".  A resposta é muito simples — o número de fiscais é insuficiente diante do crescimento da população e, por conseguinte, das irregularidades, sem contar a falta de apoio de que é acometida a carreira de fiscalização.

Em novembro de 2008 eu denunciava a postura de pessoas que se julgam acima do bem e do mal. Em obra na Península Norte, em Brasília, no começo daquele mesmo ano, um morador da QI 5 obstruiu obra do governo, impedindo que fosse executada uma calçada em frente à sua entrada ilegal e não passível de regularização. O morador, em ostensivo desafio aos agentes governamentais, declinou quatro características do seu status — ser advogado, ser amigo do secretário de Obras, conhecer o administrador regional e ter trabalhado na campanha do Arruda. Repito o que sempre digo — de colaboradores como esse, acho que o Arruda não precisa.  Esse é exemplo de pessoas que se julgam num outro tipo de paraíso, promovendo um insulamento vergonhoso — geralmente paraíso se localiza em ilha — perante os preceitos legais, ancoradas tais pessoas equivocadamente em sua rede de relacionamentos. Sim, foi notificado. O que veio depois? Não sei.

O jornal do Sindafis (Sindicato dos Servidores Integrantes da Carreira de Fiscalização de Atividades Urbanas do Distrito Federal) trouxe duas questões efervescentes em julho de 2009. Uma delas é relacionada às promessas que não se cumprem por parte do governador quanto à melhoria da condição salarial dos fiscais/inspetores de atividades urbanas do Distrito Federal. Eis o quadro atual — fiscais e inspetores acossados por falta de apoio, por falta de salário digno, assoberbados por muitas missões para poucos agentes. Não! agentes de fiscalização não vivem num paraíso.

A outra questão mencionada no veículo de comunicação do Sindicato é a falta de segurança. A matéria é ilustrada com foto da agressão física sofrida por uma fiscal de atividades econômicas. Elenir Barbosa mostra na foto estampada no jornal as marcas da violência que sofreu na Ceilândia, em 11.7.2009, por falta de segurança, ou seja, do apoio policial devido, diante da complexidade da operação fiscal com camelôs.  Não se quer dizer que uma agente do governo vai apanhar mais contente se tiver um salário melhor. Quero apenas esclarecer que os servidores da fiscalização não vivem num paraíso, muito pelo contrário. E falta de dinheiro, de apoio, e de mais colegas para dividir as missões, geram desmotivação.

Não sei como me solidarizar com Elenir. Poderia até dizer que Lula e Arruda já deixaram muitas vezes de apanhar simplesmente porque têm segurança suficiente. Alguém tem dúvida? Sei lá se isso basta para Elenir, e ela pode até ficar revoltada com o fato de governantes terem segurança e ela não. Mas agora pensando bem, até que a gente gostaria de ter a oportunidade de jogar a botina no Bush ou em algum deputado ou senador tupiniquim... principalmente naqueles que cuidam do seu próprio bem-estar ou dos seus pares, isolando-se em seu éden, esquecendo-se do resto. Digo mais: muito do que nos acontece vem da insensibilidade dos governantes e de outros representantes nossos. E estes bem que mereciam umas boas palmadas. Educativas, à moda antiga. Só pra provar que o paraíso é muito mais em cima.

Aristides Coelho Neto, 19.9.2009  

Leitura complementar: Carta ao Governador Arruda

 

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