TEXTOS DO AUTOR

NÓS E MAIS NINGUÉM

Viver num país melhor não é sonho irrealizável. Quem prepara o futuro somos nós. E mais ninguém.

Há homens que, não querendo passar por gays, classificam a si mesmos de ativos numa relação homossexual. Peter Fry afirma que “se trata de um preconceito forjado pela cultura e introjetado pelos indivíduos de mentalidade machista que, ao desempenharem o papel sexual ‘ativo’, acreditam-se excluídos da homossexualidade”. Nessa linha, ficaria claro que, no que tange à orientação sexual, existem correntes que pregam não haver diferença entre quem seja ativo ou passivo na questão da homossexualidade. Os papéis se alternam e é comum os gays ratificarem esse entendimento quando dizem do seu relacionamento a dois.

Na questão da corrupção, o enfoque pode ser semelhante. A corrupção ativa (própria de quem corrompe) e a passiva (daquele que é corrompido), de limites claramente tênues, são ambas tidas como corrupção. Na homossexualidade a relação, para se completar, não prescinde do que doa e do que recebe. A corrupção, da mesma forma, não existe quando o corruptor não encontra quem se preste a ser corrompido.

No entanto, a concepção de corrupção vai um pouco além. Extrapola a correlação que fazemos sempre com governo, poder público. Quando essa noção se amplia, é fácil nos enquadrarmos nas outras formas trazidas pelo dicionário — ato de corromper, decompor, deteriorar, adulterar, subornar, agir em causa própria, usar de meios ilegais, apropriar-se do que não é seu, prevaricar, omitir-se quando deveria agir, usar do jeitinho, e por aí vai.

Eis alguns exemplos — reivindicar uma cota especial de Tamiflu para o Congresso Nacional no momento em que centenas de pessoas enfrentam filas nos postos de saúde acossados pela gripe suína; adulterar valores para pagar menos impostos; produzir algo de qualidade sofrível e fazer passar por qualidade boa para auferir lucro ou prestígio; comprar material falsificado ou contrabandeado; desviar clientes para outra empresa que não aquela que nos emprega; proteger o amigo ou parente que agiu errado. Nesses casos e em outros mais também estamos ou sendo corruptos ou permitindo a propagação desse mal, como se reinasse entre nós um acordo sem assinatura de não contar para ninguém sobre aquilo-que-fazemos-porque-todos-fazem.

De vez em quando determinadas frases são mais recorrentes. Em tempos de comunicação veloz pela web, então, nem se fale. A frase que se segue, se digitada no site de busca Google, alcança 102 mil resultados — “O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons”. Ela é atribuída a Martin Luther King Jr. Meditemos, nós que aprioristicamente nos julgamos bons, sobre o silêncio de que fala nos fala o pastor americano, ativista político e humanista no sentido amplo, morto em 1968.

Esse silêncio é aquele que não deve fazer parte do nosso cotidiano. Silêncio, por exemplo, de não denunciarmos atos lesivos ao bem comum, somente para proteger pessoas que podem vir a perder seus empregos... Há inúmeros outros exemplos.

Façamos uma comparação com células cancerosas. Muitos tratamentos de câncer se baseiam no corte da alimentação sanguínea das células doentes. Da mesma forma, se não alimentarmos a corrupção, ela poderá vir a morrer por inanição. Assim, examinemos os nossos valores, os nossos exemplos — para os quais muitos estão atentos, principalmente nossos filhos.  E meditemos sobre a nossa grande responsabilidade de eleitores. Façamos uma prospecção em águas mais profundas. Os eleitores levam os eleitos ao poder. Assim, somos tão compromissados quanto aqueles que estão nos representando, porque os alçamos à posição em que estão. De acordo com os conceitos do início deste texto, homossexualidade ativa e passiva, corrupção ativa e passiva, eleitor e eleito, tudo se confunde, a nos dizer que estamos no mesmo barco. E não assumirmos postura proativa de mudar significa silêncio. Esse o silêncio de que nos fala Martin Luther King.

Pensemos nisso, para a criação de um futuro melhor. Ou seja, nessa empreitada, somos nós e mais ninguém.

Aristides Coelho Neto, 16.8.2009

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