TEXTOS DO AUTOR

IGUALZINHO AOS POLÍTICOS

Nada de fazer igualzinho à maioria dos políticos. Cada um faça a sua parte, emergindo da sonolência e da omissão, para produzir políticos mais éticos, altruístas, justos e confiáveis. Esses, sim, sintonizados com o bem da coletividade.

Na saída de Rio Preto, final da avenida Nossa Senhora da Paz, eu parava no trevo. Carro em ponto morto, esperava minha vez de entrar na BR-153 com destino a Brasília.

Sentados no meio-fio, dois homens pitavam cigarro de palha. Quando minha janela ficou emparelhada com os dois, numa leitura rápida da placa de meu carro – atitude que denunciava estarem ali esperando o tempo passar –, o de chapéu disse para o outro.

— Brasília, terra dos corruptos!...

Não olhavam pra mim. Olhavam para um ponto imaginário. Mas o recado era pra mim, motorista de Brasília. 

O comentário do que estava sem chapéu foi breve:

— Pois ééé... – uma mão segurava o queixo. A outra, o canivete. A expressão era grave, num diagnóstico misto de brincadeira e austeridade.

Engatei a primeira e segui pela rodovia à esquerda, na direção norte.

Não era novidade esse tipo de crítica a Brasília. Eu já havia ensaiado resposta para essas insinuações – veladas ou escancaradas –, até muito pertinentes, vocês hão de convir.  Temos notícias a todo momento de que os integrantes do Parlamento brasileiro perdem mais tempo tentando se safar de acusações do que com outra coisa. Essa atitude é exemplo pernicioso para os nossos jovens. E para outros cuja personalidade vacilante se encontra em processo contínuo de formação, por isso mesmo aberto a todo tipo de impressão.  Assim, muita gente está achando que o crime realmente compensa. Imaginem quantos devem pensar que não há nada de mal em encostar um revólver na cabeça de alguém e lhe tirar algumas centenas de reais – os políticos e governantes roubam milhões e nem usam armas de fogo...

Vamos à tal resposta minha preparada — costumo dizer às pessoas que fazem piada com o fato de morar em Brasília o seguinte:"Vocês precisam ter mais cuidado com os representantes que enviam para o Planalto Central.  Mais responsabilidade no pesquisar a vida dos políticos, menos acomodação na hora de cobrar lisura, ética e compromisso desses nossos mandatários, procuradores eleitos, e por isso legítimos, que acabam se apaixonando pelo dinheiro, poder e facilidades, em detrimento do bem comum".

Tudo indica que o sentimento de cuidado para com os bens públicos está se diluindo não só entre os parlamentares e governantes ou entre funcionários de médio e alto escalão, mas entre os simples funcionários. E a causa pode residir nos maus exemplos e na impunidade.  O limite entre o aceitável e o inaceitável acaba por ficar indefinido.  Imaginem o que é surrupiar um clipe. É ético? E surrupiar vinte caixas de clipes? E surrupiar um carregamento de caixas de clipes? Onde o limite do aceitável e do inaceitável?

Imagem ilustrativaTirar seis cópias xérox na copiadora da repartição. Acho pouco. E tirar oitocentas cópias? Onde o limiar ético? Cinquenta, duzentas ou mil? Na questão das viagens, imaginemos uma viagem de jegue, uma viagem de ônibus, uma de avião, ou duas ou cem. Qual o limite que passa a incomodar a consciência? Parlamentar viajando sozinho é o correto. Mas por que não o cunhado, a ex-sogra, o vizinho, o cãozinho?

Cada um tem seus referenciais. E há pessoas nas quais a permissividade se dilatou a níveis inimagináveis. O que para uns é demais, para outros é naturalíssimo. E já prestaram atenção ao que se faz quando a imprensa e a sociedade descobrem mais um golpe no contribuinte? O cara devolve.  Sua excelência devolve. Como se a redenção para o furto de um veículo, por exemplo, fosse a sua devolução.

Dia desses telefonei para um amigo na Câmara Federal. Ele, gentilmente, me perguntou se eu estava no celular.  Quando confirmei, ele imediatamente desligou. E logo em seguida me ligou do gabinete.

— Fica mais barato para você – disse.

Na hora nem percebi, mas, de repente, eu, cheio de respostas aos “detratores de Brasília”, estava participando de uma fraude. Ato aparentemente despido de significado maior, mas que,  multiplicado por mil ou por um milhão, alcançaria uma soma considerável a escoar dos cofres públicos para o ralo.

Eu estava errado. Fazia igualzinho a quem eu vivo criticando. Como não percebi de imediato, deduzo que muitos e muitos não têm consciência alguma dessas versões miniaturas de lesa-pátria. E quantos não enxergam também tudo em miniatura, até o ato de roubar milhões... 

Acordar é a solução. Não no sentido de fazer acordo – como se vê diuturnamente no Congresso – mas no sentido de recobrar os sentidos. Vamos ajudar a construir uma sociedade melhor.


Aristides Coelho Neto, 19.4.2009

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