TEXTOS DO AUTOR

A LENDA DA REVISÃO, APRECIAÇÃO IMPRESSIONISTA

Uma apreciação que Jarbas Júnior, um poeta incorrigível, chamou de impressionista. Diz que "Além da Revisão" é "A Lenda da Revisão". Assinala que leitura impessoal é a pior de todas. E compara o revisor, coitado, a uma nova versão de Sísifo.

"Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento."

Camões

Matéria complexa, problemática, enigma de Esfinge na língua: decifra a gramaticada ou devoro-te os olhos aquilinos. Porque assinalar idiotismos e desleixos lexicais, equívocos tantos morfossintáticos nos erros de letramento deficiente, embora a digitação moderna facilite o registro escrito do idioma, é tarefa beneditina. E como queria Bilac ("Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!"), o revisor, coitado, versão nova de Sísifo, quando finalmente apresenta o texto pronto, escoimado de qualquer deslize, no alto do Monte Parnaso, rola direto para a errata, a pedra no meio do caminho de um descuido sério, um senão imperdoável (e o olho experto de lince nada percebeu).
Cruel, mas herrar é umano. Até Machado de Assis cometia seus lapsos, seus eclipses lingüísticos, revendo provas, ele que foi tipógrafo e polígrafo genial.
Aristides Coelho Neto — com esse final de nome, Coelho Neto — entra ousado em pleno Turbilhão paradoxal da Nomenclatura Gramatical Brasileira, caneta vermelha na destra, o Aurélio como fiel escudeiro, bem montado no Rocinante do próprio conhecimento, e os moinhos de vento, diante de cada texto. Intrepidez digna de apreço, enfrentar a sintaxe lusíada, o Adamastor terrível, a garantir que nada escapa ao naufrágio das revisões, o digno autor acima nomeado oferta-nos obra primorosa e eclética na área árida de revisão. Pois junto com os aspectos técnicos de praxe, típicos do nobre mister, acrescenta ótimas referências e informações que ilustram bem o tema enfocado, nesse compêndio necessário e oportuno, indispensável para quem almeje, candidato a Prometeu, como profissional ou estudioso, apropriar-se do fogo sagrado, em troca de muito fígado e paciência diligente.
Quantas pessoas cabem na pessoa do revisor, diante dos heterônimos de Fernando Pessoa?
A boa revisão leva cem anos de solidão. E sendo perfeita, mil e uma noites. É proeza de muita insônia, com alguma poesia, quando o texto tem alcance literário. Mas, revisar manuais, tratados, monografias frias e anódinas, é atividade profícua e nada gratificante, sina de máscara de ferro. Porque a leitura impessoal é a pior de todas. Aristides Coelho Neto, pensando nisso — pensamento analítico do revisor, mecânico, em processo de atenção contínua —, propôs no seu livro (excelente) a terceira margem do humor: textos de grandes escritores, amenizando assim a aridez acadêmica do assunto tão áspero e assonante que, às vezes, mais um ícone grego, suplício de Tântalo, dever espartano.
Ave, Revisor! Os que vão ler te saúdam!

Jarbas Júnior, em 6.4.2008

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Jarbas Júnior Silva Motta mora em Brasília. É professor de Português e Literatura, escritor e poeta. Autor de "A jangada de Orson Welles", "Navio português", "Viagem ao Portal do Sol", "Duidja" e "Os dois profetas", Jarbas tem uns trinta livros na gaveta, à espera de patrocínio.

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