TEXTOS DO AUTOR

BRASÍLIA, COMEÇO, MEIO E FIM

Um pouco da história de Brasília, num texto de 1995. E uma indagação consistente sobre possíveis causas da desfiguração da cidade, feita em 2008 pelo escritor e sociólogo Eugênio Giovenardi. Ilustração: Buenno.

CRIAÇÃO DE BRASÍLIA – Um breve relato

 

Brasília é a mais recente grande cidade construída com a finalidade de ser capital de país. Existem peculiaridades a respeito da criação da atual capital do Brasil. Ter sido idealizada com mais de dois séculos de antecedência é um fato interessante a ser lembrado. Vale ressaltar também que o local onde seria implantada foi determinado quase cem anos antes de sua construção.

Os primeiros colonizadores portugueses chegaram ao Brasil em 1500, sendo Salvador a primeira capital instituída. Com o eixo econômico alterado para a Região Sudeste do país, efetivou-se a transferência de Salvador para o Rio de Janeiro. Mas, ficava patente a vulnerabilidade da capital, no que se refere a eventual invasão por mar. Era premente a sua interiorização, por medida de segurança e como forma de levar o desenvolvimento para o vasto território do Brasil, embora nossos colonizadores, temerosos por distanciar-se das rotas lusitanas, temessem o avanço em direção ao centro do país continental.

As primeiras manifestações sobre a necessidade de mudança da capital datam do século XVIII, sendo atribuída ao Marquês de Pombal, em 1761, a idéia mais antiga que se conhece de se transferir a capital para o interior, como sede do Governo da Colônia e do próprio Reino de Portugal. A partir de então, várias propostas se sucedem.

Em 1808, em Londres, um jornalista brasileiro, Hippollyto da Costa, por meio do Correio Braziliense, divulgava idéias liberais e sugestões para a interiorização da capital do Império. Nessa mesma época, a própria corte portuguesa, quando de sua transferência para o Rio de Janeiro, reconhecia a necessidade da mudança.

Mesmo em 1821, já se esboçava o local da futura capital, entre os paralelos 15 e 20 graus,  em região geodésica e climática favorável. Ou seja, apontava-se para o local onde se situa hoje Brasília. A idéia da interiorização foi tomando vulto, até que, em 1823, José Bonifácio, então deputado, encaminhou à Assembléia Constituinte a "Memória sobre a Necessidade de Edificar no Brasil uma Nova Capital". O nome achava-se sugerido. Era Petrópole ou Brasília.

foto BuennoTambém foi cogitada a transferência da capital para São João Del Rey, mas a idéia de sua inserção no Planalto Central obteve mais adeptos. Bem definida e participativa, a classe política mineira não deveria ser obstáculo às idéias políticas vigentes. Surge o primeiro projeto legislativo em 1831. E como resultado de toda a campanha pró-mudança, Holanda Cavalcanti, senador do Império, apresenta em 1852 um projeto de lei mantendo o nome Brasília, sugerido por José Bonifácio, mencionando até mesmo o custeio do plano.

Em outras oportunidades, o assunto veio ao debate parlamentar, durante o decorrer do Segundo Império, tendo sido, em 1877, motivo de viagem de reconhecimento e exploração do historiador Visconde de Porto Seguro à região em que hoje se situa o Distrito Federal.

Como fato histórico interessante pode-se citar um sonho profético que ocorreu ao frade italiano Dom Bosco nos idos de 1883. A visão de Dom Bosco dizia da latitude e longitude da futura cidade e adiantava que “seria uma terra de fartura e beleza”.

A seqüência de fatos ocorridos durante o Brasil Imperial, sugerindo a mudança e interiorização da capital, deixou na consciência nacional raízes profundas de um espírito mudancista. Veio a Proclamação da República em 1889 e a mudança tornou-se um imperativo constitucional.

A Constituição Federal de 1891 previu no Planalto Central uma área de 14.400 km² para a nova capital. Em 1892, uma comissão exploratória e científica é designada para a demarcação da área. Liderada pelo astrônomo Luiz Cruls, diretor do Observatório Nacional, a expedição deu origem a um trabalho magistral, no qual se traça um panorama geológico, geodésico, meteorológico, hidrográfico e botânico do quadrilátero que seria o Distrito Federal. Sua localização, entre os paralelos 15 e 20 graus, passou a ser inserida nos mapas como local da futura capital da República.

Nas primeiras décadas do século XX, em função de turbulências políticas e institucionais, o assunto da transferência da capital foi mantido aceso basicamente por intelectuais da Academia de Letras e jornalistas progressistas. O estado de São Paulo despontava como foco de progresso econômico, delineando-se nitidamente um eixo desenvolvimentista. A muitos parlamentares não era interessante alterar esse eixo para o sertão interiorano do país. No entanto, com as perspectivas de comemoração do primeiro centenário da Independência, em 1922, os sentimentos nativistas presentes levaram ao lançamento da pedra fundamental da nova Capital em terras do Planalto Central, no local demarcado e previsto constitucionalmente.

Em 1933 o assunto voltou à tona, durante a Assembléia Constituinte, que nada deliberou, em função do clima reinante no país. Um golpe de estado estava acontecendo. Só depois de 1940, o Governo do Estado Novo retomou a velha idéia da transferência. Em plena ditadura Vargas, durante a Segunda Guerra Mundial, um importante trabalho sobre os problemas de base do Brasil é realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Nesse trabalho, dentre os problemas abordados, o que tratava da consolidação da nova capital é mencionado como de segurança nacional.

Mas até a deposição de Vargas nada é efetivado com relação ao assunto. O Brasil passa a uma fase de redemocratização. Uma nova era de resultados positivos se implanta e, como resultado, nova lei consagra o imperativo da mudança, determinando-se uma série de providências, que são cumpridas pelo Governo Dutra.

Seguiu-se um amplo debate, em que se propunham outros locais como sede provisória da nova Capital – até Belo Horizonte foi cogitada. Institui-se, então, em 1947, a "Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital do Brasil", presidida pelo engenheiro militar Djalma Polli Coelho, conhecida por Comissão Polli Coelho que, à época, ratifica as análises e o relatório final da Missão Cruls, que foi considerado o marco gerador da definitiva questão da mudança da capital.

Em 1953, abre-se crédito suplementar de 20 milhões de cruzeiros pelo Ministério da Viação e Obras Públicas e  cria-se uma nova comissão para a localização da nova capital. Como produto dos trabalhos dessa comissão, presidida pelo general Caiado de Castro, foram contratados os levantamentos aerofotogramétricos de uma área de 52.000 km², realizados pela empresa Geofoto Ltda.

Em 1954, contrata-se a empresa americana Donald Belcher para os estudos de fotoanálise e de fotointerpretação da área em referência, além da elaboração de mapeamentos temáticos, estudos topográficos, hidrológicos, geológicos, climáticos. O Relatório Técnico sobre a Nova Capital da República, conhecido como Relatório Belcher, foi concluído em 1955, com a seleção de cinco sítios mais adequados para a localização da nova capital. Dos sítios selecionados, foi escolhido aquele denominado “castanho”, sobre o qual se encontra hoje edificada Brasília. A partir da definição do sítio, estabeleceram-se os atuais limites do Distrito Federal, que ocupa uma área de 5.783 km².

O Governo Kubitschek, iniciado em 1956, com seu plano desenvolvimentista calcado na construção de Brasília, efetiva os trâmites necessários à consolidação da nova cidade. Institui, então, concurso para a elaboração do seu plano urbanístico, concretizado após quatro anos de trabalhos, em 21 de abril de 1960, com a inauguração oficial de Brasília. O plano adotado, de autoria do urbanista Lúcio Costa, seguiu os princípios internacionais de urbanismo então em voga, emanados da Carta de Atenas, cujo principal precursor era Le Corbusier.

Brasília constitui a maior experiência atual em cidade projetada, única, dentro de conceitos da arquitetura moderna. Hoje, consolidada, é Patrimônio Histórico da Humanidade, símbolo da união nacional, marco histórico de um discurso expansionista, em direção ao interior. Hoje, porém, com todos os problemas das grandes metrópoles brasileiras.

Aristides Coelho Neto

 

Texto elaborado para o Boletim Informativo da UCCI – União das Cidades-Capitais Ibero-Americanas (Ano I – nº 1 – ago. 1995 – Codeplan), com adaptações feitas em set. 2007

 

 

SILÊNCIO E NATUREZA

BERÇO DE BRASÍLIA

"Temos preservado, para o presente, monumentos do passado. Agora, ao contrário, pensamos em preservar para o futuro um monumento do presente."Josué Montello, 1986

O fascínio do nascimento de Brasília surge, primeiramente, do vasto silêncio que lhe serviu de berço na amplidão de um planalto.

O encantamento da cidade, que brotava do chão, se configurava na harmonia entre os edifícios que se elevavam e a paisagem acolhedora e sensual de regatos mansos, caliandras e pequizeiros, aroeiras e jacarandás, barus e chapéus-de-couro, povoados de pássaros e bichos do mato.

Cercada de silêncio espesso, ornada de uma vegetação selvagem e ainda desconhecida, a infanta Brasília fez brilhar seus olhos nas primeiras noites de vigília, surpreendida com o alvoroço de candangos que a tomavam nos braços para acalentá-la.

O silêncio imenso destas colinas e a natureza em festa se iluminaram com um suave facho de luz. Quem viesse de Alexânia, olhando para noroeste, perceberia pontos luminosos piscando na risca do horizonte. Quem chegasse de Paracatu e Cristalina veria, sessenta quilômetros adiante na direção do poente, luzes amarelas bruxuleantes.

O silêncio e a natureza constituem as virtudes originais de Brasília. Palácios, igrejas, escolas, blocos de apartamentos, casas ao rés-do-chão justificariam as clareiras abertas, guardado o silêncio e preservada a natureza.

As caliandras e os pequizeiros, os angicos e os jatobás decorariam e coabitariam com os edifícios cercados de silêncio.

Os destinos da pátria e a esperança dos cidadãos se fortaleceriam, embalados pelo exercício do poder, fecundados pelo germe produtivo do silêncio e pelo aceno da natureza resistente à parcimônia do clima e à avareza das chuvas.

Silêncio e natureza, conúbio singelo que os fundadores da cidade imprimiram à capital do Brasil. Tudo o que viesse agrupar-se a Brasília teria que preservar essas virtudes.

Silêncio e natureza geraram a cidade-parque, ambiente ideal para o desfrute da vida. Nasceu novo habitante no bioma Cerrado, cercado de inspiradora quietude, plantas, flores, pássaros e águas transparentes.

Em que momento se ofendeu Brasília? Em que momento se rompeu o união entre silêncio e natureza? Em que momento o sonho virou pesadelo? Em que momento se tratou Brasília como uma cidade ordinária?

Quando o prefeito da cidade exigiu o título de governador e a criação do ocioso anexo legislativo?

Quando os legisladores decretaram eleições diretas e importaram eleitores desempregados em troca de 40 metros quadrados de chão?

Quando o Cerrado silencioso foi invadido por mercadores de terra e surgiram cidades satélites dentro de um distrito municipal?

Quando as nascentes de água foram soterradas por condomínios invasores, avenidas, pontes e viadutos?

Quando milhares de incautos, atraídos por promessas eleitoreiras, ocuparam o lugar das caliandras e das canelas-de-ema, dos jatobás e jacarandás, dos angicos e jatobás?

Quando o cinismo imobiliário, os pseudo-arquitetos, os armadores de concreto preferiram edifícios em lugar de parques, centros comerciais em vez de bosques, estacionamentos ao invés de jardins?

Quando as áreas públicas se tornaram privadas com a conivência oficial e espaços destinados a terminais rodoviários foram cedidos a hipermercados e igrejas faraônicas forradas de mármore ou granito?

Quando os espaços públicos da orla do Lago se incorporaram às residências particulares como patrimônio hereditário?

Quando a emasculação moral desvirtuou as instituições legislativas e apequenou a administração pública?

Quando administradores, legisladores e governantes caíram na tentação política de produzir eleitores de barriga cheia e cabeça vazia?

Nesses momentos, rompeu-se o silêncio e destruiu-se a natureza.

Nesses momentos, desfigurou-se Brasília.

O que é, hoje, Patrimônio Histórico, Cultural, Natural e Urbano de Brasília?

 

Eugênio Giovenardi, escritor e sociólogo, em 31.7.2008
(61) 9981-2807
http://www.eugeObservador.blogspot.com

 

 

 

-Mensagem Original-

De: Eugênio Giovenardi

Para: ari

Enviada em: quarta-feira, 24 de setembro de 2008 10:48

Assunto: Re: Impressionado com seus textos...

 

PREZADO ARISTIDES,

 

ALEGRO-ME COM SEUS COMENTÁRIOS E QUE FAÇA COLETIVA NOSSA CRIAÇÃO.

NADAR CONTRA A CORRENTE É O QUE AINDA SE PODE FAZER PARA SALVAR O POUCO QUE RESTA.

LI A SÚMULA HISTÓRICA SOBRE A DECISÃO DE CONSTRUIR BRASÍLIA NO PLANALTO. GOSTEI DO TRABALHO.

VOU LEVAR CÓPIA, SE ME PERMITE, AO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO DF, AO QUAL PERTENÇO.
GOSTARIA DE LHE ENVIAR MEU LIVRO A SAGA DE UM SÍTIO.

INDIQUE-ME O ENDEREÇO POSTAL, SE ESTIVER INTERESSADO.

HUMANAMENTE,

EUGÊNIO


Eugênio Giovenardi

 

De: ari

Para: eugeniogiovenardi@yahoo.com.br

Enviada em: terça-feira, 23 de setembro de 2008 22:59

Assunto: Impressionado com seus textos...

 

Senhor Eugênio,

Impressionado com a qualidade de seus textos, tomei a liberdade de colocar um em meu site. Está em Brasília, começo, meio e fim, logo na página inicial.

Parabéns. Como não pedi sua autorização antes, diga algo, e eu acato.

Obrigado

 

Aristides

Comentários (3)

Voltar