TEXTOS DO AUTOR

CONVERSA INFORMAL? DEIXE ROLAR

Falando rapidamente sobre cacófato, assonância... e a sugestão de não monitorar a fala informal.

Às vezes me dá  uma certa pena dos repórteres. Eles sempre têm de improvisar diante do microfone ou da câmera. E isso não é pra qualquer um.  Quem já não ouviu coisas estranhas, como "estava na via e havia andado poucos metros"?  Se houvesse tempo para elaborar, claro que o repórter evitaria o via e havia.

Na maioria das vezes, temos de concluir que o pessoal de rádio e tevê nem percebe  as assonâncias. Haja vista repetirem a torto e a direito:  "duas viaturas se deslocaram para o local". Argh! Deslocar para o local dói. Mas eles nem percebem.

Numa entrevista a arquiteta disse: "O espaço urbano [...] é objeto e agente. A gente precisa conhecer mais". Acho que a entrevista foi ao vivo. Se fosse daquelas em que as perguntas seguem por e-mail e as respostas também, acho que uma autorrevisão não deixaria o agente e a gente tão colados um no outro. Pode confundir, não é elegante.

Quem já não se deparou com a repetição de sílabas idênticas em vocábulos próximos, como "um novo povo", "balão de São João", "Pude ver veleidade na realidade desta cidade"... Essas expressões, ao surgirem involuntariamente, produzem ocorrências fonéticas muitas vezes desagradáveis aos ouvidos.
Mas há momentos, porém, em que o escritor produz esses efeitos sonoros como recurso de estilo, intenção estética. O resultado deixa de ser considerado vício.  “Dentro dos meus braços, os abraços hão de ser milhões de abraços...” (Vinícius de Moraes, em Chega de saudade, 1958). “Olha a bolha d’água no galho! Olha o orvalho!” (Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles). Quem quiser se aprofundar, ver assonância, aliteração, eco, paranomásia.

Já cacófato (ou cacofonia) é o encontro de sílabas que formam nova palavra de sentido feio, ridículo, desagradável, impróprio — até obsceno — ou com sentido dúbio: "Por cada, tirei da boca dela, essa fada, havia dado, vou-me já, fé demais, aquele guri lá, uma mão, marca gol, socar alho, Cuba lançava, Mônica Gava". Há casos de cacófatos chamados intravocabulares. Nestes, as sílabas da mesma palavra podem ser lidas de maneira separada de modo a produzir novas formas, inconvenientes: "É uma garota sarada, e que se disputa". Em sã consciência, melhor evitar, a não ser que queiramos ser engraçadinhos.

Os fãs dos trocadilhos colecionam na memória todos esses exemplos e vivem buscando outros mais para apimentar ou dar um colorido nas conversas.   E por falar em conversa, bom lembrar que a língua falada é muito diferente da língua escrita. Todos sabem que a gente pensa, elabora, muito mais na hora de escrever. Já no cotidiano, na hora de falar informalmente, de improviso, é bem diferente. E nem se deve pensar demais. Ao se elaborar muito, a conversa não fica livre e solta — fica travada. Perde-se a naturalidade.

Mas num discurso ou numa palestra, claro, há de se pensar e tomar um cuidado maior. Vale a pena ressaltar que quando você fala com alguma pessoa amiga íntima em tom de palestra, se a pessoa não for muito sua amiga, vai dispensá-lo. Vai achar você um chato. A não ser que o seu papel seja esse mesmo, no palco de um teatro. Então, pra conversar, relaxe. Deixe fluir. Monitoramento zero! Pra escrever, pense duas vezes.

Aristides Coelho Neto, 14.5.2014

 

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