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MÁSCARAS

Chega o Carnaval. O fascínio que as máscaras exercem é inegável. Mas elas caem na quarta-feira de cinzas, ou permanecem nas faces como estratégia milenar.

É época de máscaras. O Carnaval de 2014 se aproxima. Muitas vezes máscaras, principalmente no Carnaval, exercem um quê de ingênuo mistério, aquele fascínio de sonhar pelo menos uma vez no ano com algo inusitado, novo, charmoso, diferente. A máscara parece ser um detalhe culminante nessas nossas fantasias, que abrangem possíveis insatisfações, uma vontade de fugirmos da nossa personalidade, um tanto desgastada perante nós mesmos.

No entanto, na maioria dos casos, o termo "máscara", semanticamente, remete a "hipocrisia". "Cair a máscara" quer dizer que a pessoa vai se revelar exatamente como é, agora não mais com simulacros.

As máscaras mais tradicionais — e belas, por sinal — são as venezianas. Melhor dizer de Veneza, já que hoje veneziana pode ser confundida com janela...

Foi em Veneza que se adotou a prática de usar máscaras e outros disfarces durante a época de Carnaval.

Era uma "maneira de suspender a ordem social rígida". Sob o manto do anonimato, "os cidadãos de Veneza poderiam afrouxar suas inibições sem medo de represálias". Vem daí que os fabricantes de máscaras ficaram famosos e respeitados na sociedade. Mas as celebrações do Carnaval tornaram-se cada vez mais caóticas e profanas com o passar dos anos, até o seu declínio no séc.18. (ver mais em Geoffrey Stanton, Guide to Venetian Carnival Masks)

Bem, se o declínio aconteceu na Europa, aqui no Brasil, nem pensar. Nos canais abertos, queiramos ou não, durante uma semana (ou mais), vamos ter de assumir a condição de carnavalescos.

Dia desses assisti de novo ao filme "De olhos bem fechados", com Tom Cruise e Nicole Kidman, que vivem o papel de um médico e uma curadora de arte. Ele é um cara legal e os dois vivem um casamento perfeito.  Até que um dia, após uma festa, ela fala da atração que sentiu por outro homem no passado. A ênfase da confissão traumatiza Tom Cruise. Desnorteado, ele sai pelas ruas de Nova Iorque, obcecado com a imagem de Nicole Kidman o traindo. E ele então trai a esposa. E se mete numa reunião secreta de orgias, em que melhor nunca tivesse ido. Por fim, a fria em que entrou acaba por ajudá-lo a superar seu trauma. E ele volta para a esposa.  Quero pinçar nessa história a questão da reunião secreta. Nela, todos usavam máscaras, aquelas de Veneza. Até as mulheres nuas. O diretor Stanley Kubrick criou como ninguém a aura de mistério e sensualidade das máscaras. E o espectador nem quer saber quem está por trás delas, as máscaras — percebe apenas que são pessoas capazes de tudo, em cujas mentes e corações a ética e a moral não encontram guarida. Quando a pessoa é capaz de tudo, geralmente ela se esconde atrás de uma máscara.

E voltamos à questão da hipocrisia.  Já perceberam que estamos passeando pelo tema. Conhecem uma frase de efeito "Você pode enganar alguns todo o tempo; todos algum tempo; mas nunca todos a todo o tempo"? O autor, acho que ninguém sabe. Mas o ditado traz uma grande verdade. Todos nós temos um pouquinho de hipocrisia. E devemos estar atentos a isso, já que um dia a casa cai, digo, a máscara cai quando menos se espera.

Dia desses, num órgão público descobriu-se que uma raposa atuava em obras de engenharia, usando de seu cargo para obter vantagens. As coisas vieram à tona e, de repente, tudo ficou claro como as águas de Bonito. À raposa só restava  submeter-se a uma sindicância interna. Mas sabem o que a raposa fez? Colocou uma máscara. Ao colocar a máscara, as intenções de investigação interna para apurar os delitos se desfizeram. E a raposa  mascarada, pasmem, foi promovida. Com seu cargo comissionado foi-lhe facultado trabalhar dentro sabem de onde? De um galinheiro.

Uma das galinhas mais velhas — sábia por causa dos quilômetros rodados —  disse, porém, para as jovenzinhas: "Isso não está me cheirando bem. Tenho um pressentimento de que essa máscara um dia vai cair".

Ou seja, ela percebeu que a raposa não estava fantasiada para o Carnaval de 2014, mas sim para comer as galinhas uma a uma, claro, em dias alternados, na calada da noite.  Claro que essa história ainda não foi publicada. Mas um dia quem sabe, quando o Carnaval passar.

Aristides Coelho Neto, 27.2.2014

PS - Quanta gente da AGEFIS me pergunta quem seria a raposa!... por terem identificado caso semelhante e que se enquadra na descrição. Eu sempre respondo que pode ser de órgão qualquer, Secretaria de Educação, etc., já que é tudo fantasia. No Brasil não acontecem coisas assim.

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