TEXTOS DO AUTOR

O LEÃO PREPOTENTE

Um pedido de impugnação diferente ao Leão (forma carinhosa de chamar a tão querida Receita Federal), sem muita preocupação se o felino todo-poderoso vai ler ou não.

Em 2009 o Leão me cobrou algo referente a 2006. Uma pendência que misteriosamente a Receita Federal nunca me participou de forma direta. Havia uma observação ligeira em fonte pequenininha, em nota de rodapé, toda vez que eu imprimia meu recibo de entrega da declaração anual. Aprendi que quem não esmiúça essas letras do tipo bula de remédio se dá mal. Assim foi. Eram informações dissimuladas, que poderiam muito bem ser mais claras, por meio de uma carta objetiva que me dissesse: “Ei, você está devendo”. Não consigo vislumbrar a real intenção desse traiçoeiro e inusitado sistema de comunicação. Ou estou sendo ingênuo?

O contribuinte sempre se lasca. São juros, multa, elevando o montante do débito às alturas. Ao saber do problema, a gente corre ao zoológico, digo, ao Leão. E o Leão, através dos seus tratadores, orienta mal. Vale dizer que muitos tratadores, ou mesmo animais que convivem com o Leão, que dependem do Leão, que são funcionários de carreira do Leão, não gostam do Leão.

Resolvi pagar uma parte. E pedi para que o Leão analisasse o restante (a isso se dá o nome de impugnação). Argumentei, sempre acrescentando que não tenho o mínimo interesse de protelar pagamentos. E melhor seria para mim que me tivessem convocado da forma tradicional.

Ao final de 2012, o Leão, faminto, me disse, dessa vez por carta: “O que você pediu foi negado. Pague já, ser desprezível, que eu lhe dou um desconto”.  Pareceu até um gesto magnânimo.

Corri à toca do Leão. Perguntei quanto eu devia. Eles calcularam e eu paguei a dívida total de imediato. Aproveitei o desconto complacente. E xô, parcelamento. O Leão é bravo, indomável. Melhor não arriscar.

Pensei que havia pago a conta inteira. Quem não pensaria? Eis que no começo de 2013 recebo um DARF e uma ameaça de inscrição em dívida ativa. Mama mia! O que seria?

Corri à toca do Leão. Mostrei a ameaça que havia recebido, peguei uma senha. Esperei. Fui atendido no plantão. O homem olhou, olhou de novo. E disse: “Não sei do que se trata. O pessoal de CCPF lhe explica. Pegue outra senha”.  Eu perguntei: “Outra senha? Já esperei tanto!”. Ele disse: “Isso mesmo”. Na hora de obter a nova senha a moça disse: “Não lhe dou senha para CCPF porque eles não vão resolver. Seu problema é com a PGFN. Tome”. Lá fui eu. Quando me chamaram ouvi da atendente: “Não é comigo. Vou transferi-lo para uma colega”.

Dessa terceira atendente, quase saiu fumaça dos seus neurônios aquecidos. Depois de meia hora de pesquisa, ela disse: “Um débito remanescente foi transferido para inscrição em dívida ativa em outro processo”.

Eu então: “Se eu vim aqui em novembro passado para pagar tudo, e dentro do prazo, por que me fizeram essa surpresa com sabor de perfídia? de esconder um débito para me penalizar mais ainda?”. Traduzi imediatamente a expressão “sabor de perfídia” para “desfaçatez”, com vistas a acelerar o processo e não confundir com a música Perfídia... mujer, se puedes tu con Dios hablar.

Ela então: “Ora, está tudo muito claro! Quando lhe informaram sobre o débito total, um outro processo estava em trâmite. E quem lhe orientou não sabia disso. Está tudo muito claro!”. Ela pôs ponto de exclamação na sua afirmação. E eu pensei cá comigo: se está claro, por que saiu fumaça? Hem? Hem?

E tome mais juros. Concluindo, senhores, o Leão é onisciente, onipotente e prepotente! As duas primeiras são qualidades divinas também, sabemos. E o Leão, dono da verdade, tem olhos fechados para a incompetência interna que reina nas savanas da Receita Federal. “Está tudo muito claro!”, disse a tal, mas digo eu também. Muito claro, aliás, que pra enfrentar Leão há de se ter ferramentas apropriadas. E que nunca temos. Mas disso restou uma dúvida cruel: um Leão que engendra armadilhas é o mais inteligente da selva? ou é simplesmente mal intencionado? quem sabe... cínico?

Aristides Coelho Neto, 19.1.2013

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