FALANDO DE DOUTRINA ESPÍRITA E MORAL CRISTÃ

DISSE O PADRE: ESPÍRITA NÃO É CRISTÃO

Santo Agostinho falava com a mãe, Santa Mônica, que já havia morrido. O padre Paulo Ricardo ficaria numa saia-justa para desclassificar Santo Agostinho.

[...] se você se diz católico ou evangélico ou espírita, etc., mas não ama o seu próximo, isto é, não o socorre em suas necessidades, não o assiste em suas aflições, nem procura amenizar-lhe as dores; se você nega também o seu óbolo a esta ou àquela instituição de assistência social, simplesmente porque os que lhe dirigem os destinos rezam por uma cartilha diferente da sua; se você age assim, meu amigo, ainda que louvado no que lhe digam os mentores de sua Igreja, você poderá ser um católico fervoroso, um evangélico extremado, ou um espírita convicto, mas não será verdadeiramente um cristão, porque só é digno desse nome aquele que, a exemplo do Cristo, já se tornou capaz de oferecer a todos, indistintamente, as suas mãos amigas, a sua palavra consoladora e o seu coração estuante de amor. — Rodolfo Calligaris em O Sermão da Montanha, lição "Se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus" — FEB, 4. ed., p. 63-64

Os vídeos do padre Paulo Ricardo estão no youtube. Há um em que fala da relação dos concílios com o Espiritismo. Um leitor pergunta qual concílio condenou o Espiritismo, ao que o padre Paulo Ricardo responde com outra pergunta — qual o concílio que não condenou? E explica: os espíritas não são cristãos. E detalha: se os cristãos creem numa revelação de Deus, os espíritas creem na revelação dos espíritos. Para os espíritas, a Bíblia é um documento histórico, contém normas morais. Para os católicos é a palavra de Deus. Para os católicos, afirma o padre Paulo Ricardo, Jesus é o próprio Deus que se fez homem. Para os espíritas, Jesus é um Espírito de Luz. A Igreja Católica é a presença de Cristo na história. "Para se entrar em contato pleno com Jesus, há de ser através da Igreja"... assim se arvora (ou se arrisca?) o padre. "Catolicismo é a Verdade. Se o Espiritismo acredita que devemos galgar a salvação, então Espiritismo é paganismo. A salvação não se conquista. A salvação é concedida por Jesus. Quando nos deparamos com centros espíritas com nomes de santos, como São Francisco de Assis, isso é uma ofensa a São Francisco. A incompatibilidade entre Espiritismo e Cristianismo é total", arremata padre Paulo Ricardo.

Diz ainda em outro vídeo que existe uma banalização do termo cristão. E declina, "sem caráter de ofensa a quem quer que seja", o significado técnico da palavra cristão. Quem não crê que Jesus é Deus e nem crê na ressurreição, não é cristão. Em suma, os espíritas não são cristãos. Ponto final.

Tentei "promover" o padre Paulo Ricardo, enviando links de suas palestras a alguns amigos. Dentre as manifestações destes, uma chama a atenção: "Primeiro, se a igreja é o corpo de Cristo, na Inquisição ele estava tresloucado. Segundo, se a sucessão apostólica representa Deus, toda espoliação de patrimônio, cruzadas etc., era presidida por papa bem demoníaco. Terceiro, se a Bíblia, em si, é palavra de Deus, Moisés não era tão bom assim, porque mandou matar os adoradores do Bezerro de Ouro. Quarto, se Jesus, com sua morte, por si só, já nos teria salvo, por que a Bíblia fala em uma segunda volta dele? Para salvar outros, que ficaram de fora? Quinto, se for ofensa dar nome de santo a um centro espírita, se Santo Agostinho falava com a mãe, Santa Mônica, ele mesmo invertia o que a igreja estaria apresentando? É... se esse padre lesse mais, quem sabe falaria menos bobagens". Nem posso condenar tais manifestações enfáticas — resultam do plantio do padre. 

Diante dessas críticas que são feitas às afirmações do padre Ricardo, vale lembrar que Kardec, na segunda metade do séc. 19, sempre refutava as críticas que o Espiritismo nascente recebia. Não deixava para depois. Suas réplicas contundentes permeiam obras como "O que é o Espiritismo" e "Revista Espírita" (1858-1863). Acho que, democraticamente, tenho o direito de refutar as críticas do padre.

Valho-me agora de trecho de Léon Denis, pela psicografia de Divaldo Franco, em Tours, na França, em 5.11.1983 (livro Seara do Bem). Denis não doura a pílula quando fala da "mundanização da doutrina cristã com a ritualística e os cerimoniais herdados do politeísmo romano, que se foram incorporando à conduta religiosa [católica], antes natural, sem retoques nem adornos..." "Introduziram-se reformas e hábitos que iriam distanciando a mensagem do seu Autor [Jesus], e a pureza original começou a desaparecer..." 

Assim, completa Denis, "em 320 introduziu-se o uso das velas no culto; em 375 iniciou-se a devoção aos santos; em 394 a missa foi instituída; em 528 surgiu a extrema-unção. Logo depois, em 555, a reencarnação era considerada heresia, no Concílio de Constantinopla..." "Em 660 Bonifácio III se declarou Bispo Universal — Papa; em 763 surgiu o impositivo da adoração às imagens e relíquias; em 993 começou-se a canonização dos santos; em 1076 fez-se imposta a infalibilidade da Igreja, que culminou com a infalibilidade do papa em 1870; em 1184 se criou a Santa Inquisição e, logo depois, em 1190 a venda das indulgências".

Pois bem, façamos rapidamente uma viagem às Cruzadas, em que tanto se matou em nome de Deus. Eram cristãos? Sigamos pela inesquecível Noite de São Bartolomeu. Da noite de 23 de agosto de 1572 em diante, quantos mesmo foram os milhares de protestantes massacrados pelos católicos? E os reis franceses que ordenaram a matança comemoraram alegres, "cristãos" que eram... Eram cristãos os sacerdotes que até recentemente se recusaram a encomendar a Deus a alma dos suicidas? No que diz respeito à "Santa" Inquisição, os arautos da intolerância, dos julgamentos sumários, das torturas, perseguições, flagelações e fogueiras, esses eram cristãos? 

Faz-se mister explicar que os enxertos já relatados na Doutrina de Jesus foram engendrados pelos homens. Foram trazidos pela Igreja Romana, à cata de parâmetros para rotular cristãos e não cristãos por simplória conveniência de profitentes, por sinal falíveis. Interesses assim, não sintonizados com a pureza da doutrina de Jesus, são difusos e não tiveram o dedo de nosso Mestre e Modelo Maior.

Uma coisa que muito me intriga é o fato de Deus e Jesus serem o mesmo ente para a Igreja Romana. Quantas e quantas vezes Jesus referiu-se a Deus como Pai! Num Universo infinito, de incontáveis mundos habitados, Deus, em pessoa, teria escolhido justamente a Terra? para aqui estar por 33 anos? Fico imaginando quem foi nomeado seu substituto para cuidar do Universo. Nós, habitantes da Terra, conclui-se, tínhamos muito cacife para que Deus se dedicasse pessoalmente a esse mundinho, como fez há dois mil anos. Ressalte-se que a Santíssima Trindade foi definida em concílio, e sem unanimidade na votação. 

Voltando às indulgências. Tudo leva a crer que quem não é batizado na igreja católica é barrado no céu. Como o batismo é pago, assemelha-se às indulgências, em que os mortais já garantiam daqui um lugar no paraíso. Lembremos que João Batista não cobrava pelo batismo. Não, não quero imaginar (e até poderia) o padre Paulo Ricardo empunhando a bandeira da Inquisição lá no sécs. 11, 12, 13. Principalmente porque eu próprio, quem sabe, poderia estar lá, ao lado dele, engrossando as fileiras da intolerância. Pois é, tudo é possível diante da realidade insofismável da pluralidade das existências.

Felizmente, a visão espírita sobre esses assuntos é envolvida na lógica e no bom senso. Jesus, Mestre e Amigo de todas as horas — a quem o Pai Criador incumbiu cuidar da Terra —, ajude, Senhor, o padre Paulo Ricardo de Azevedo Júnior a não restringir, na sua forma dita "técnica", a tradução do termo cristão de forma tão equivocada quanto ingênua. E ajude-o a entender que, diante de uma sucessão de erros em que possa estar incorrendo, não será no confessionário que vai se redimir. Ele há de fazer por merecer qualquer redenção — isso, além de lógico, é justo. Faça o padre entender, Jesus Amado, que quando ele virar pó, a sete palmos da superfície, não há lei da Física que o faça ressurgir da poeira. Aliás, nem é preciso ressurgir, porque Deus fez a mim e ao padre Paulo Ricardo seres imortais. 

Se espíritas, evangélicos ou católicos, se sacerdotes ou fiéis, quanto a sermos cristãos, só a nossa postura diante da vida é que vai dizer.

Aristides Coelho Neto, 27 jun. 2012

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