TEXTOS DO AUTOR

UM PALANQUE PARA AS ROLINHAS

A história comprida de uma plataforma para pássaros, com vista para a piscina pela frente, e para o cinturão verde pelos fundos, ou um jeito de pedir um favor a quem entende do riscado.

Olá, Jaci. Ia lhe mandar uma carta na sexta. Quando o carteiro passou, pedi que a entregasse a você, ali na casa debaixo. Ele disse que não podia. E perguntei por quê. Ele disse que não tinha selo. Que não tem carimbo. Que não pode fazer as vezes de atendente dos correios. Só entrega. Eu então perguntei como podia ele ser um carteiro sem sê-lo. Claro que fiz uma pergunta dúbia. Filosófica. Também semântica. O sê-lo era pra confundir com selo. Ele não percebeu. Só disse que eu entregasse eu mesmo. Ainda insisti indagando se era por causa da sexta. Ele entendeu cesta. Não respondeu. Só disse que precisava ir. Quando ele se afastou vi que, naquela sexta, ele não levava cesta. Apenas uma mochila.

Mas o assunto não é esse, claro. Quero lhe falar de um fato que aconteceu na quinta perto do viveiro. Fiz uma pequena plataforma de madeira onde coloco umas comidinhas para os pássaros da comunidade. Ela se apoia no guarda-corpo metálico que você conhece.

Há quem diga que eu não deveria facilitar muito as coisas para os pássaros dos arredores. Que eles viciam. E acabam não indo mais procurar alimento por conta própria. Como que se aposentam. E começam a exigir até horário da gente. Não dou bola para esses comentários. Vale a algazarra do pessoalzinho que chega para comer e tomar banho.

Mas andei notando que alguns mais afoitos andam impedindo que outros pássaros se aproximem. Engraçado, o tablado não é deles, mas já se sentem donos. Como os humanos. Quantos de nós não nos apropriamos de coisas que não são nossas... E as vendemos. Ou cobramos pedágio. Ou não deixamos os irmãos de fauna se aproximarem. Com terra nem se fale. É histórico isso. Quando digo nós, estou falando de gente, e posso não estar incluído. Ou estar.

Pois é, essa plataforma, pelo lugar privilegiado em que se posiciona, perto do poste, com vista para a piscina pela frente, e para o cinturão verde  pelos fundos, tem servido de palanque para que as avezinhas se manifestem. A seu modo, claro. Algumas nitidamente ficam fazendo troça com os mandarins, manons, calafates e diamantes-de-gould do viveiro, aliás, um condomínio com segurança particular. Não entra coruja, nem gavião, nem cobra-cipó.

Mas, deixando de lado essas observações, e deixando de lado o fato de rolinhas, saíras, bem-te-vis, pombas e sabiás estarem usando os holofotes desse palanque em benefício próprio ou do partido a que são filiados, vou direto ao assunto. Usei o termo holofotes em função da CPI do Cachoeira. O pior nem é usar a CPI para se autopromover. O pior é servir pizza antes de começar. Nem sei por que falo em pizza quando deveria falar de painço, alpiste, senha, aveia. Talvez porque queira ver o Cachoeira na gaiola, com uma porção de amigos seus dos quais não temos pena.  Sim, os passarinhos têm pena. Mas do que mesmo eu estava falando?

Ah! lembrei. Na quinta-feira, notei que duas rolinhas, assíduas frequentadoras da boca livre, estavam com um ar de ironia. Percebi que estavam criticando a plataforma que fiz suadamente com as próprias mãos, para ser exato, já que meu serrote quase não tem dentes. Obviamente tenho as minhas limitações, já que não possuo o equipamento que você tem. Nem a sua destreza. E a sua arte. E aquele jeito profissional de segurar o martelo.

Percebi no olhar da rolinha um certo desdém quanto ao rachado que dois pregos fizeram no pedaço de assoalho de piso flutuante que usei. Com o bico voltado para cima, a amiga dela desaprovava descaradamente o tipo de madeira usado e o fato de o apoio estar fora de prumo.

Entre um arrulho e outro, chegou um bem-te-vi, com ares de sabichão. Digo ares porque ele veio dos ares. A julgar pela precisão da aterrissagem, veio de buenos ares. Com sua empáfia, achando-se o máximo por ser mais colorido, olhava para o norte a toda hora, apontando o bico,  como se no norte estivesse a solução. Sabe-se que muitos brasileiros acham que a solução está no sul. Mas ele insistia no norte. Esboçava um sorriso enigmático e sem dentes, porque pássaro, claro, não tem dentes.

Pois bem, só passado algum tempo é que decifrei a mensagem do bem-te-vi. Ele apontava é para a sua casa (de Jaci). Foi aí que entendi a mensagem:  para uma plataforma mais condizente com os exigentes volantes, só com a intervenção do Jaci.

Tudo isso pra pedir a sua ajuda, na condição de mestre da marcenaria, para fazer uma plataforma mais bem-feita.

Gostou? Bem, se colar, colou. Gastei saliva, digo, teclagem, pra caramba.

Aristides Coelho Neto, 21.5.2012

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