TEXTOS DO AUTOR

MEDO DE AVIÃO

O medo parecia passageiro na passageira. Mas não era bem assim.

Eu não estava bem certo se a minha querida amiga, nossa protagonista, tinha medo de avião. Notei certa ansiedade, sim, no aeroporto. Senti um leve estremecimento nela ao ver as comissárias passando. Engolindo em seco com o barulho das turbinas. Achei que era impressão minha. Não dei importância. Lembrei até do Oscar Niemeyer. Por não viajar de avião, hoje fica extremamente limitado, nos seus 104 anos de idade, para acessar lugares distantes. Na inauguração da Torre Digital, em Brasília, foi assim. Mas achei que o caso dela era apenas um receio passageiro. Quer dizer, de passageira.

Me lembro agora também que ela até havia ficado um tiquinho preocupada quando soube que o voo teria conexão. Me fez trocar para direto no balcão da companhia. Achei que era uma insegurança natural. Quando o funcionário da empresa avisou que o voo estava atrasado, tentei espairecer. Eu disse que, no domingo, geralmente os pilotos vêm direto do churrasco para o aeroporto. Como rola muita cerveja e caipirinha, os voos geralmente atrasam. Ela ouviu a brincadeira com um olhar distante. E engoliu em seco de novo. Sorri, crente que tinha sido criativo, mas ela deixou claro não ter apreciado. Cá comigo, um velho amigo meu, piloto, cansou de dizer que alguns colegas, antes do voo, davam umas boas aspiradas no oxigênio disponível na cabine. Pra se aprumar depois da farra.

Quando ela começou a fazer perguntas sobre a localização do portão de embarque e a distância que teria de percorrer, continuei nas minhas invencionices. Disse que tenho um método infalível para que a pessoa não se perca em aeroportos. Ao menor sinal de estar perdido nos trajetos internos em terra, não tenha dúvida, comece a chorar. Sempre vai aparecer uma alma caridosa que vai encaminhar você até o seu assento. Nessa, você ganha mais barras de cereais do que os outros passageiros. Afagos. E fura todas as filas.

Lembram-se do tempo em que havia bebida à vontade nos voos? Fico aqui pensando naqueles amigos que morriam de medo de subir no avião. E só o faziam à custa de muito uísque. Paulinho era desses, nas nossas viagens para o Piauí. Acho até que muitos aprenderam a beber por medo de avião. Uns ficaram viciados por causa de avião — era ver um objeto voador e dava vontade de beber — reflexo condicionado.

Duas horas e meia depois da partida, liguei para ela. Saber se havia chegado bem. Me contou que as pernas travaram logo na escada rolante. Paralisada, não deu outra — foi levada de cadeira de rodas por funcionários até dentro do avião. Imaginei que ela tivera câimbras. Recomendei uma banana pelo menos por dia. Comentei também sobre essa mordomia inusitada, poxa, que legal, ser levada até a aeronave... e aproveitei para dizer que ela tinha tido muita sorte. Quando me perguntou por quê, eu disse apenas que em voos noturnos como aquele seu é uma sorte chegar a São José do Rio Preto. Geralmente, esses voos cegos da noite levam os pilotos a pousarem na Bolívia. Houve um que, quando acabou o combustível, teve de pousar no mar. E olhe que, entre Brasília e Rio Preto, é difícil achar mar.

Embora eu dissesse alô, alô, alô, percebi que havia algo errado. Alguém petrificado e mudo lá estava do outro lado da linha. Esse silêncio durou dois anos. Só aí ficou totalmente claro — ela tinha muito medo de avião. Aliás, pavor!

Aristides Coelho Neto, 7 maio 2012

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