TEXTOS DO AUTOR

BIG BROTHER BRASIL, GAIOLA DE AVOADOS E VOADORES

Reflexões sobre a arte da bisbilhotagem e comparações entre a gaiola de fundo de quintal e a gaiola BBB da Globo.

Tenho um viveiro de pássaros em casa. Há pessoas que dizem que é uma judiação ter passarinhos engaiolados. Sempre argumento que os passarinhos que existem disponíveis nas aviculturas são de espécies que não mais sobrevivem sozinhas na natureza, infelizmente. Os passarinhos, digo sempre, quando os trago para o viveiro doméstico de quatro metros cúbicos, sua vida muda substancialmente. Saem de um cubículo que lhes atrofia até o ato de voar. E passam a viver num grande condomínio, com direito a voo, recreação, piscina, casinhas criativas, ninhos diferenciados, vaso com planta, espaço, enfim, sem contar outras benesses. O contentamento dos passarinhos é visível.

Mas os periquitos australianos, ultimamente, estavam em franca perseguição aos demais, calafates, manons e mandarins. O estresse era geral. Um casal de manons não suportou o assédio violento. E deixou de se alimentar, de medo dos vizinhos agressivos. Não deu outra... tadinhos.

Diamante-de-gould

E tive de tomar uma decisão. Os quatro periquitos foram devolvidos à avicultura por desvio de comportamento. No lugar deles, vieram três diamantes-de-gould, mineiros, de Belo Horizonte.

Ao decidir o destino deles, tive noção do papel que eu exercia. Há quem diga que eu estava brincando de Deus (aliás, ninguém me tira da cabeça que Deus exagerou no projeto do diamante-de-gould).

Cá comigo, prefiro dizer apenas que estou no comando de um Big Brother Brasil bem particular, que dá de dez a zero no BBB da TV Globo. Claro, não faço “paredão”, nem induzo pessoas a se manifestar por meio de “torpedos”. Meu BBB não tem fins lucrativos. Fica ali perto da Chopperia Toca dos Coelhos...

Notícias recentes obtidas na internet dizem que Renata já fez sexo em banheiro de festa, Rafa, em estrada, e João Maurício, em canavial. Não sei quem são esses três personagens do BBB, mas os meus passarinhos fazem sexo nos poleiros, um ato naturalíssimo, como era de se esperar. E mesmo sendo foco de atração por detrás da tela (tela mesmo, de arame) não fazem sorrateiramente por baixo dos lençóis, nas madrugadas.

Menino na gaiola

Eduardo Azuma, em dissertação, menciona o poder massificante da tevê e das novas tecnologias. “Tais tecnologias anunciam um perigoso caminho já anunciado por diversos autores. O romance ‘1984’, de George Orwell, nos ajuda a visualizar, de forma potencializada para uns, e realista para outros, uma sociedade dominada por um governo totalitário, onde todos os atos são observados e controlados com o objetivo de perpetuação do poder.”

Enxergo esse “governo totalitário”, no caso que estamos ventilando, como a tevê e seu poder de persuasão. Mas a tevê é apenas veículo. O poder mesmo é dos que concebem as programações.

Infere-se que os reality shows, que sempre cultuam o desrespeito à intimidade e à vida privada, no fundo são apenas meios de que a televisão se vale (isso era esperado) para nos moldar a uma forma de pensar e de consumir. É a tevê tentando nos conduzir, num eterno apelo para que adotemos modelos e desejos propostos, em detrimento dos nossos. Ou incutindo algo na lacuna das cabeças vazias, dentre outras coisas, vazias de convicções. Dá pra imaginar que é perigoso sentar-se em frente à tevê despido de senso crítico.

Britney na jaula

Nesse culto ao voyeurismo dos BBB, tenho certeza de que o meu para com os passarinhos é bem diferente. Sempre que posso, vou aprimorando o layout do viveiro. Sim, há sempre um descontente. Haja vista o desapontamento dos calafates quando mudei de lugar os poleiros. Mas esses passarinhos todos não falam. Só cantam. Nesse ato, sua falta de voz transcende as bobagens de quem fala, agora engaiolado, lá na casa do BBB. A mensagem de quem não fala é subliminar e poética.

Os passarinhos são fiéis às suas tradições. A tradição tanto deles como dos humanos era beber água. Hoje, tudo mudou. Haja bebida diferente para que os big brothers percam a inibição... que muitos telespectadores esperam com sofreguidão. No que concerne ao culto ao narcisismo latente em cada um – e no imaginário dos diretores do programa –, nem a chegada dos diamantes-de-gould ao viveiro abalou a comunidade passarinha. Acho que eles entendem que a roupagem não importa. Diferente do BBB da Globo. Lá hoje o que vale é a beleza física. O conteúdo fútil de cada um pouco importa. Vale mais ainda a capacidade de jogar, na corrida desenfreada até o pódio.

Mas há sempre opiniões outras de estudiosos e intelectuais sobre o assunto. Eles nos alertam quanto às banalidades de reality shows e da tevê lixo. Mas proclamam que tais programas merecem ser analisados antes de criticados. E, afirmam eles, isso não quer dizer também que as pessoas tentem gostar deles. Essa corrente de estudiosos pede que, em vez de lamentar o tempo perdido, esses espetáculos televisivos, que podem funcionar como drogas e fonte de alienação, devem servir para enriquecer o nosso repertório educativo, nosso aprendizado, nossa capacidade de entender melhor o comportamento humano, sempre com vistas a nos relacionarmos melhor.

BBB, não!

Pássaros criados em cativeiro não sobrevivem na natureza. Big brothers fora do cativeiro são acometidos de uma fama efêmera. E parecem sobreviver fora da gaiola que lhes foi montada. No entanto, para alguns a fama passa e eles voltam ao normal. Para outros o sucesso fugaz traz complicações – são voos para os quais não estavam preparados. E a bisbilhotagem da vida alheia, tônica do programa BBB, será carro-chefe também na vida dos que subsistiram à competição, no mundo que alimenta as crônicas sociais e revistas especializadas em fuxicos e famosos.

Mas que me perdoem os estudiosos do comportamento humano – fico mesmo é com meu gaiolão, no fundo do quintal.

Aristides Coelho Neto, 12.2.2012

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