TEXTOS DO AUTOR

O INQUEBRANTÁVEL E O QUEBRADIÇO

Nem tudo que parece é... E o que não quebra pode quebrar.

Na Feira dos Importados (ou do Paraguai, como é chamada por quem mora em Brasília), o vendedor entusiasta resolve fazer uma demonstração para o cliente. Era uma película protetora inquebrável. E ele exagera. Usa um martelo. E a película, claro, se desfaz na frente do cliente — ex-cliente logo em seguida... Quando me contaram isso me lembrei do copo do meu pai.

Antes do caso do copo, me vem à mente algumas elucubrações medianas sobre o caráter efêmero das coisas. Programas sem sustentação que caem por si. Teorias conspiratórias que se desfazem. Concepções falsas que se desmancham. Conceitos frágeis que se esvaziam. Austeridade que desmorona. Caramba, quase começo a falar de Moro, mas nosso assunto é copo.

Meu pai, certo dia, chega em casa com um conjunto de copos muito diferentes para a época. Não me lembro de onde eram originários os copos. Eu era criança.  Me vem à cabeça Polônia (se alguém souber identificar pela foto a seguir, me ligue).

Armando os usaria por quase quarenta anos seguidos — os maiores — para tomar a sua Brahma Extra, a preferida dele, "a única que tinha cevada mesmo". Havia ainda alguns critérios para escolha da cerveja: o tal do casco escuro, melhor que o casco verde. Os copos menores recém-chegados, usaríamos para o trivial: guaraná, água e suco. Eram copos pesados, de vidro grosso. E com uma qualidade inédita: inquebráveis.

Me lembro de meu pai fazendo demonstração para os vizinhos. Jogava o copo de uma calçada à outra, lá na nossa rua, a Coronel Spínola. Ele dizia que o copo só não podia cair de boca. A pressão faria o copo inquebrável se quebrar.

Meu pai então viaja para a pátria espiritual. Do conjunto de copos de estimação, trago dois para minha casa.

Essa história influenciou Elise. E no que vou relatar, devo acrescentar, eu não estava presente. Tive que montar a cena ocorrida em 2011.

Pedreiros trabalhando numa reforma em nossa casa. Saio para comprar algum material que os caras sempre se esquecem. Elise resolve fazer uma demonstração para os pedreiros, naquela hora do café, pão com manteiga e água fresca.

Conta a mesma história dos copos que eu havia passado a ela. Fala aos operários atentos do valor inestimável para mim daqueles dois copos. E resolve fazer uma demonstração inusitada.

Atira um deles da varanda em direção ao muro. A cena cria um certo constrangimento quando o copo se espatifa diante do olhar imobilizado e enigmático de todos. Eu não estava lá, nem vocês. Mas dá pra imaginar.

Se houve algum comentário, não sei. Um químico diria que vidro, após mais de cinquenta anos, perde a resistência. Mas posso ler o pensamento simplório dos presentes: "Essa muié é muito doooidaaa!"

Aristides Coelho Neto, 21 jun. 2019

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