TEXTOS DO AUTOR

FISCALIZAÇÃO, JEITO TORTO E CAOS

De um lado: ocupação desordenada do solo. Do outro: AGEFIS, a agência fiscalizadora. E um esboço de solução despido de qualquer fundamento, mas que dá sensação de atingimento dos objetivos. Ou nem isso?

Imagine que você é responsável por vacinar pessoas do Distrito Federal, mas com um estoque reduzido de vacinas. E você, criativo como é o brasileiro, define que vai vacinar só pessoas acima de 90 anos que tenham bom conhecimento de história, crianças de colo que saibam assobiar, mulheres grávidas de gêmeos univitelinos, homens que tenham barba rala e ruiva, e malabares que equilibrem facões com a mão direita e escrevam poemas com a mão esquerda concomitantemente.  Restringido o universo da clientela, o estoque de vacinas dá e sobra. Certo? Seu relatório evidenciará então surpreendentes resultados. Que método é esse? Ora, jeitinho! Solução criativa (será mesmo?), despida de qualquer fundamento, mas que deu uma sensação de atingimento dos objetivos. Para os tontos, claro.

Vez por outra tenho a sensação de que na Fiscalização está sendo aplicado o mesmo princípio de minimização do universo. Ou restrição do escopo. Sei lá como se chama isso.

Só sei que vejo na fiscalização do Distrito Federal esse mesmo princípio, no afunilamento que se faz hoje na AGEFIS (Agência de Fiscalização do Distrito Federal).  

Diante da dinâmica crescente e desproporcional do avanço de invasões e irregularidades edilícias e de ocupação desordenada do solo no Distrito Federal, nossos governantes e dirigentes estão fazendo quase a mesma maluquice exposta no primeiro parágrafo. Raciocinem comigo.

A AGEFIS, no DF, é órgão apenas fiscalizador, não atua na área de autorização e nem de planejamento, a não ser planejamento de como melhor fiscalizar.

Como o efetivo e as condições operacionais estão minguando, decidiu-se por limitar os objetivos a serem alcançados. Priorizar obras irregulares a partir de julho de 2014 é o grande trunfo da atual gestão. Priorizar também a erradicação de obras irregulares que estejam em andamento, em detrimento das edificações habitadas. Se bem que surge uma nova e bizarra modalidade no DF — a de "obras habitadas". Priorizar edificações que estejam em áreas de nascentes (a crise de abastecimento está na mídia todo dia). Priorizar desobstruções em áreas que tenham uma destinação explícita em projetos do Governo. O resto fica em segundo plano. Imaginem o tamanho do desastre!

Os agentes fiscais têm então uma sensação — etérea e fugaz — de que estão fazendo um bom trabalho. E a população continua na mesma, sem saber se deve amar ou odiar a Agência de Fiscalização. Bem, a avaliação de desempenho nesses casos, seria medida em metros lineares de cercas irregulares retiradas. E em áreas de território desobstruídas — melhor não falar em área de edificações, porque pesa pouco na balança da mídia.

Apedrejaram carros da AGEFIS, da Polícia e dos Bombeiros? Melhor então parar. Chamar a Força Nacional? Pega mal para o Governo. Sem contar que a Força está por demais ocupada no Espírito Santo e no Rio. Demolir um restaurante que ostensivamente ocupa 1.000 m² de área pública em bairro considerado nobre? avançando pela praça que é de todos? e nas barbas do Governo? Não é prioridade. Essa parece ser a linha de pensamento.

E vamos nessa toada, dramatizando que estamos produzindo muito — qualquer mecanismo motivacional é importante para uma Agência de Fiscalização. Só que esta prefere envernizar resultados a explicitar deficiências.

Houve época em que os agentes fiscais propalavam que não mais queriam ficar sob o jugo de administradores regionais, geralmente políticos sem compromisso com a comunidade. Queriam independência. Essa independência pareceu ter chegado com a criação da Agência de Fiscalização do Distrito Federal. Não mais atrelamento a interesses políticos. Conclusão vã... teórica.

Hoje, a AGEFIS continua submissa a interesses políticos. O governador é quem decide — faça-se aqui, ali não, acolá sim. Decisão técnica? Claro que não. Político só pensa em rendimentos eleitorais. Assim, repercussão negativa na mídia é sinal para engavetar ações de desobstrução. Sem contar os deputados inescrupulosos que continuam atuando para regularizar o que é tecnicamente irregularizável, no afã de criar currais eleitorais.

O que resta à AGEFIS? Teatro, só teatro!  Milhares de ocupações surgindo diuturnamente. Prioridades marcadas pelo interesse político. Pouco efetivo. E nada de renovação. Melhor então restringir objetivos — o Governo finge que atua; a AGEFIS finge que o escopo está sendo alcançado. Objetivos em miniatura são mais convenientes no Reino de Lilliput, em que abundam pensadores pequenos e em que Gulliver é a exata dimensão — gigante — dos problemas do Distrito Federal.

Aristides Coelho Neto, 19.2.2017  

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