TEXTOS DO AUTOR

PASSANDO PRO LADO DE LÁ

Reflexões sobre ironias do destino, no passar desta para outra vida.

Lembram-se daquele jogo de tabuleiro chamado Guia dos Curiosos? Apreciei muito jogar, quando tive chance. Fato que jamais me esqueço — e que aprendi lá no guia — diz respeito à morte de Ésquilo, dramaturgo grego, que viveu há cerca de 500 anos antes de Cristo. Conta-se que morreu atingido por um cágado que veio do céu. Provavelmente uma águia transportava o cágado. E a presa deve ter se soltado sem querer. Ou foi estratégia da águia para quebrar o casco. Seja uma ovelha, um cabrito, um coelho, um cágado, ao se precipitar das alturas, se despedaça. Isso facilita as coisas para a alimentação dessa ave de rapina. Quem imagina passar para o lado de lá por causa de um cágado na cabeça? Pois é, eu, particularmente, acho que nada acontece por acaso. Não vamos entrar em pormenores. E a gente nem sabe se a morte de Ésquilo foi assim mesmo.

Falemos de mais um caso curioso de morte de um famoso. Desta vez, Antoine de Saint-Exupéry, autor de O Pequeno Príncipe, o livro mais lido no mundo depois da Bíblia. Relançado agora pela Editora Schwarcz, com a revisão técnica de minha querida amiga Maria Tereza Piacentini, a obra traz excelente posfácio da tradutora Mônica Cristina Corrêa sobre a vida e a obra de Exupéry — aliás, Zeperri, como era chamado em Florianópolis quando lá passava. Os livros que escreveu sobre aviação fascinaram muitas pessoas. Em algumas delas inspiraram o gosto de voar. O avião de Exupéry foi abatido por um piloto alemão chamado Horst Rippert, em julho de 1944. Por ironia do destino, Rippert escolheu a carreira de piloto estimulado pelos livros de Exupéry. Quem imaginaria que abateria o avião do admirado autor! 

Depois dessa história inusitada de passagem para o lado de lá em circunstâncias bizarras, não consegui parar de imaginar uma situação particular minha de passagem para o Mais Além. Dentro das limitações que possuo, me veio à mente uma morte que pareceu instigante. Óbvio que vocês até podem não concordar com o grau de instigância (esta palavra não existe).

Morando num apartamento, num belo dia de limpeza geral, a faxineira botaria meus livros no parapeito da varanda para espaná-los, antes de recolocá-los nos devidos lugares. Eu ainda teria livros físicos, remando contra a corrente dos virtuais.

Vejo-me retornando da padaria. Eis que quatro livros cairiam por acidente lá do oitavo andar. Descuidada faxineira. Por ironia, seriam os de minha autoria. O Estágio no Planeta Terra cairia na minha frente. Outro, o Rio Preto, na Rota dos Asteroides, passaria de raspão, se espatifando do meu lado. O Além da Revisão passaria zunindo pela minha orelha. Perplexo, eu olharia para cima. E o Perdoo-te cairia em cheio na minha cabeça. E eu não veria mais nada. Só na outra vida, claro, ao despertar, porque lá se desperta. Para aqueles que não gostam de histórias em que o personagem principal morre no fim, eu repetiria as palavras de Exupéry: "Eu parecerei estar morto e não será verdade". Bom lembrar que não sou famoso, nem sou o personagem principal aqui. 

Um leitor mais atento, conhecedor da minha história inexpressiva, faria uma pequena correção. "Como você cita o Perdoo-te como se fosse de sua autoria? Não é apenas tradução e adaptação sua?" E eu simplesmente responderia que sim, isso mesmo. Mas diria ainda que o Perdoo-te é também o mais pesado. Tem 853 gramas, quase um quilo. Excelente para esse desfecho. Inigualável.

Aristides Coelho Neto, 2 nov. 2015

   

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