TEXTOS DO AUTOR

O que Paracatu tem a ver com Orapronóbis

Falar aquela vez (2006) sobre "Orapronóbis" despertou a curiosidade de alguns internautas. Por que não dizer mais um pouco sobre a obra e sobre o autor? Para conhecer a obra inteira, faça o download aqui.

Download de Orapronóbis

OSWALDO COSTA — foto acn — Anápolis, 10.9.2005O farmacêutico-bioquímico Oswaldo Costa, autor de Orapronóbis, é de Paracatu-MG, mas vive há mais de cinquenta anos em Anápolis-GO. Foi vereador nas duas cidades. Professor de faculdade de Odontologia e de ensino médio em disciplinas como Microbiologia, Bioquímica, Atomística, Biologia, foi superintendente de órgão público relacionado a Educação e Cultura e, no Rotary Clube e na Maçonaria, exerceu cargos de destaque.

Oswaldo Costa, casado com Maria José Pinheiro Costa, completará 91 anos em julho deste ano. E me afirmou ontem, pelo telefone, que seu novo romance está em fase de finalização.  Fico aqui me policiando para não ficar batendo nessa tecla da idade. Mas acho de fundamental importância a pessoa, seja lá de que idade for, ter sonhos e projetos.  Quantas e quantas pessoas em frente a tevê, quantos idosos jogando damas nas praças... e quantos, como Oswaldo Costa, dando um banho de vitalidade aos mais jovens. E ensinando o caminho — quem não tem projetos fenece.

Orapronóbis – Das contas de rosário, dos contos de Minas Gerais é relato histórico romanceado de excelente qualidade. Orapronóbis e Paracatu, de acordo com a narrativa, são a mesma cidade. Segundo o autor, houve época em que tanta coisa acontecia de ruim pelas bandas de Paracatu, que o que mais se ouvia na cidade era a ladainha “ora pro nobis” (rogai por nós).  Quem mergulha na trama, nas emoções de Orapronóbis, e passa a conviver com o estilo do autor, pergunta de imediato por que Oswaldo Costa, tão criativo, culto e detentor de um repertório lexical tão rico, esperou até completar 87 anos para se lançar no terreno da literatura e da história.  Acho que posso arriscar explicação. Muita gente tem engavetados textos muito bons. Que não publicam por timidez, por falta de oportunidade. Por falta de incentivo, talvez.

Em meio aos imprevistos do cotidiano de personagens interessantes que viveram em Paracatu – alguns deles revelam que fizeram parte da vida do autor – a obra colhe a toda hora de improviso o leitor com fragmentos da história de Minas e do Brasil. Ao pincelar de detalhes surpreendentes os bastidores da Coluna Prestes, por exemplo, Oswaldo penetra de forma intrigante a intimidade de seus componentes. São pedacinhos da história muito bem encaixados em descrições agradáveis e cativantes, muitas vezes recheados de bom humor, outras vezes retratando os dramas que permeiam a vida do cidadão comum, aquele de qualquer lugar do planeta.

Mas o livro extrapola. Não se resume apenas ao que foi dito. Orapronóbis contém  grande dose de poesia misturada à prosa, e um sem-número de referências ilustrativas e remissões a outras obras interessantes.  Fácil de perceber que Oswaldo Costa consegue com precisão ir do seu vocabulário requintado até o falar do maturo mineiro. É um ir-e-vir da linguagem escorreita à regional, como quem sabe muito bem o que está fazendo.

A obra possui 384 páginas. O prefácio é do jornalista Moacyr Salles, de Goiânia. As ilustrações, de muito bom gosto, são da minha querida amiga, artista de Brasília, Conceição Pavarino. O ser angelical da capa parece piedosamente entender todos os infortúnios do ser humano, e reflete muito do conteúdo do livro e da formação do autor. Este, além de brindar o leitor com passagens memoráveis, que despertam reflexões muito positivas,  revela de forma contundente que existe uma Força Superior que está no leme desta nossa embarcação que, muitas vezes, imaginamos estar à deriva. E que toda vez que entoarmos um ora-pro-nobis com fé e sinceridade, manifestar-se-á uma resposta divina. Resposta que pode tardar, mas não faltará.

Repasso aos leitores um trecho retirado da página 33, como amostra de excelência.

[...] Nessas viagens, debaixo de chuva torrencial, ora miudinha e fria a frigir os ossos, ora um aguaceiro sem-fim a bater na copa das árvores, com coriscos riscando os céus; ora enfrentando fortes ventos, que surgiam rasgando capas e palas, esvoaçando os chapéus mal amarrados aos queixos, destruindo tudo na sua trajetória. Os animais detinham a marcha e, com sabedoria, viravam-se, dando as costas para se protegerem. A peonada, pasma e perplexa, quedava-se também medrosa. Alguns, conhecedores de orações, rezavam a “São Gonçalo”, a única, nos seus entenderes, que era feita pra abrandar os céus. Outros, benziam-se, prometendo puxar uma “São Marcos Bravo” inteirinha, na próxima encruzilhada. Urias, passada a tormenta, arranjava logo um jeito de seringar a boiada, construindo um funil de peões para a contagem de praxe, de olho no extravio de boi medroso, que sempre era encontrado fazendo hora debaixo de uma árvore mais copada. Nas horas esquálidas da tormenta, Urias se voltava para dentro de si mesmo e seu pensamento era, além dos pais, a menina de seus sonhos. Não se pelava de medo. A lembrança de seu bem-querer embalava-o. A imagem de Nora, vindo e fugindo, fugindo e vindo, desfazendo-se por vezes ao sopro do siroco, espichando-se como o mapa do Chile, para se exalar no espaço, bem no alto, como se fosse reclamar a Deus da negligência do seu anjo da guarda, era um lenitivo para Urias, como se ouvindo estivesse, ao fragor da tempestade, fluxos efusivos de querubins a dedilhar harpas de sonoros acordes. A solidão dos descampados e das trilhas poeirentas não lhe fazia companhia, uma vez que a figura de sua namorada perfilava-se à sua frente, como se presente em todos os momentos. Não via a hora de sair correndo, de retorno a Orapronóbis, já com a boiada empastada nas invernadas de Araçatuba. Com o dever cumprido, um só e único objetivo tinha – voltar, voltar, e voltar aos olhos de sua Nora. [...]

Oswaldo Costa se autointitula um “rabiscador de garatujas e contador de causos”. Inspirado como sempre, por ocasião do lançamento em Brasília (houve lançamento em Paracatu e em Anápolis), me disse num e-mail revestido de gentileza: “Na ânsia de tê-lo ao meu lado, como âncora, no turbilhão que me aguardava por ocasião do lançamento, telefonei para sua casa a fim de intimá-lo – acho que posso falar assim, pois entre amigos não deve haver cerimônia” [eu estava fora de Brasília].  Sobre a amizade, Oswaldo afirmou diante da expressão “recarregar baterias”: “... muitos precisam acionar a grande máquina de propulsão de amizades e ensinamentos, que jamais poderá ficar à deriva, pelo cansaço das velas. Estas deverão estar sempre prontas para enfurnar-se com a brisa dos alísios, levando o barco a porto seguro”.

E sobre 2009, foi ontem mesmo que Oswaldo Costa teceu pelas vias da web o seguinte comentário, que demonstra a sua sólida formação espiritual, ensejando oportunas reflexões quanto ao ano que se inicia:

Meu caro, andava eu pela minha Minas Gerais, neste fim de ano, devastada pela inclemência dos céus, quando tive a oportunidade de sentir o clamor de meus conterrâneos diante de muito sofrimento. Nem por isso deixei de encontrar-me com meus amigos aí do DF, encravado no bom Goiás. E o fiz em espírito, deixando que minha consciência cósmica se alternasse, ora em preces, ora em desejos, no sentido de que tudo estivesse correndo bem com todos eles.  E você, Ari, junto com Dona Elise e toda sua família, esteve presente aos meus pensamentos.  Meus eflúvios continuam pelo presente, desejando-lhes um bom viver neste incógnito 2009, que começa ardente a desenrolar-se célere, com muitos pontos negativos, como essa brutal luta no Oriente Médio. Estou, entretanto, coberto com sua magnífica mensagem de amor e de carinho [refere-se a uma mensagem minha de final de ano]. Abraça-os, Oswaldo e Zezé, querendo que o Ano Novo seja um marco de prosperidade e de boa saúde em suas vidas.

Falávamos de Orapronóbis. Retomemos o assunto, finalizando com um texto de Jarbas Junior sobre a obra.

No romance de Oswaldo Costa, a trama – com as peripécias e perfis dos indivíduos inseridos no espaço da narrativa – e a linguagem sugestiva e precisa empregada no discurso, revelam um sortilégio verbal, opulento de metáforas. Pobre de palavras, qualquer relato é fraco. E esse atributo, da disponibilidade vocabular, Oswaldo Costa tem muito! Por isso, seu livro agrada, tem qualidade literária.

Em várias passagens de Orapronóbis, encontramos trechos palpitantes de colorido vivo das  sensações transcritas em cenas da natureza, no traduzir forte dos sentimentos envolvidos em diálogos e situações dramáticas.

Às vezes, o entusiasmo do escritor supera com exuberância, calcado nos dotes linguísticos, a função

do ficcionista de contar bem uma história, sem afastar-se da coerência necessária ao desenvolvimento pleno do relato. No entanto, não compromete o valor da obra a cultura excessiva do autor. Ele merece encômios e leitura. – Jarbas Junior (texto da orelha de Orapronóbis)

Aristides Coelho Neto, 5.1.2009

Nota — já em dezembro de 2010, recebi telefonema de Oswaldo Costa, rumo aos 93 anos. Das agruras de 2010, nada reclamou. Aliás, reclamar é empecilho para quem coleciona vitórias. Sem dúvida, os fracos é que reclamam mais. Com firmeza exemplar de voz, trocamos votos sobre o Natal e o Ano Novo. Pediu novamente meu e-mail, que havia perdido, o que significa que o mundo midiático não é só para jovens.  

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